Texto por Tomás Reis, fotografia do Jardim das Conchas por "Viajar entre viagens"

Que o Alentejo tem sido descoberto, em paisagens, histórias e sabores, já não é novidade. Em vários  países somam-se as publicações a destacar a pureza do Alentejo e o sentimento de plenitude que tantos lugares trazem.

Talvez seja novidade, porém, que ainda há Alentejo por descobrir. Um Alentejo de mão cheia, a tão curta distância. Do Algarve, toma-se a mítica EN2, que em Alcáçovas tem um dos seus pontos mais próximos de Lisboa. Para quem quer passear além da auto-estrada, Alcáçovas é mesmo um óptimo plano para quem vem das praias do sul.

Pouco antes de se chegar à vila, a paisagem impressiona. O montado ganha uma expressão plena, com as copas dos sobreiros a pontilhar os montes com uma sombra agradável. Até que as curvas suaves da EN2 se entregam às ruas brancas da vila.

Todos estes lugares serão em breve descobertos, numa série de atividades organizadas pela Junta de Freguesia, a propósito da Semana Cultural. No próximo sábado haverá uma caminhada com direito a tempo para desenhar: trata-se de (a)Riscar o Património, uma iniciativa da DGPC com parceria dos Urban Sketchers Portugal, que propõe a representação gráfica do património na sua diversidade, e que é tão evidente em Alcáçovas. A vila é conhecida pela arte chocalheira, reconhecida pela UNESCO na lista de Património Imaterial da Humanidade, mas há muito mais para conhecer.

Hoje parece lendário, mas aconteceu mas viagens marítimas dos países ibéricos foram ali acordadas. Foi no Tratado de Alcáçovas, assinado por D. Afonso V de Portugal e pelos Reis Católicos, que se decidiu: as ilhas Canárias passariam para Castela, deixando Portugal navegar além do Bojador, isto é, a sul do paralelo 27.

O Paço dos Henriques, onde D. João II recebeu os embaixadores castelhanos, é visitável desde 2016. Pode ser pretexto para começar a desenhar, levantando velhas e novas questões:  seriam sustentáveis as linhas de fronteira, em tempos ali desenhadas? Podem as linhas do desenho corresponder ao que se vê? Naturalmente tratam-se de uma abstração; só por coincidência alguém reconhece, num desenho com linha, a pessoa na rua, a janela do paço ou a capela do horto, também conhecido por jardim das conchas.

Há não muito tempo, paço ameaçava ruína. A sua recuperação também foi fruto do trabalho incansável da Associação dos Amigos de Alcáçovas que, desde o ano 2000, não parou de lembrar a sua importância para a globalização e o estado de esquecimento a que estava voltado. Agora, com o paço cuidado, a associação continua a fazer o património local conhecido e acarinhado pelos alcaçovenses e a partilhá-lo com quem o queira descobrir.

Há mais para ver (e desenhar) à volta. São casas apalaçadas, templos impecavelmente caiados de branco, que dão uma escala humana, intemporal, àquelas ruas. Quem estiver menos à vontade com a linha, pode sempre lançar algumas manchas no papel, seguindo os jogos de luz e sombra da vila de Alcáçovas. Parece que a frescura da luz azul, que as paredes em sombra recebem do céu, leva ao repouso, mesmo nas horas de maior calor.

Colina acima, chega-se à igreja matriz, que tem modos de catedral. O interior é de uma hallenkirsche, ou igreja-salão, desenhada para que o interior parecesse único, coeso, sem obstáculos. Ver a pesada abóbada apoiada em tão finas colunas, faz parecer vê-la levitar sobre a extensa planura que se vê daquele alto.

À volta de Alcáçovas, muito fica por ver. A barragem do Núncio é das mais antigas estruturas em betão do país: data de 1907 e é um feito de engenharia. Oferece vistas sobre o rio Xarrama, ondulando calmamente entre colinas de montado. O grupo Alcáçovas Outdoor Trails conhece os caminhos à volta como ninguém, e mostram-nos nas caminhadas gratuitas que organizam. São caminhos de um Alentejo bem-amado, onde o tempo não corre, a paisagem é sustentável e passa de geração em geração.

Isolado numa colina, levanta-se o santuário quinhentista da Senhora da Esperança, onde chega uma estrada. Dali, o sol dourado põe-se atrás da Serra da Arrábida. É ver para crer, como a linha do horizonte ali chega tão longe.

Mais informações podem ser encontradas no blog da Urban Sketchers Portugal.