Campos de milho e feijão-verde cruzam-nos o caminho, as folhagens verdes contrastam com a terra barracenta das estradas. Choveu há poucos dias, mas não é cenário habitual para um país onde a seca tem sido muito severa. Há quem lhe chame “milagre”.
À passagem dos jipes, crianças acenam e homens e mulheres, a trabalhar a terra, detém o olhar por breves segundos para nos cumprimentar. Estamos em Godoma, uma pequena aldeia do distrito de Taita Taveta, dentro do Parque Tsavo, no Quénia.
É aqui que um grupo de mulheres se reúne, todas as quartas-feiras, para perpetuar a tradição da tecelagem artesanal de sisal. Recebem-nos com uma dança e canção de boas-vindas. Coordenadas e sorridentes repetem, no seu dialeto, “sejam bem-vindos”. Parecem orgulhosas e contentes por conseguirem mostrar a sua arte, prestes a transformar-se no seu negócio.
Quando o maior sustento, a agricultura e pecuária, está ameaçado por não haver água, é preciso procurar alternativas. A casa onde se encontram semanalmente é de uma das mulheres do grupo que aqui recebe as colegas para fazerem os cestos de fibra de sisal.
Cada sombra parece ser uma estação diferente de trabalho. Há quem descasque a folha da planta para extrair o sisal; quem trate de secar a fibra, quem lhe dê um banho de cor – cor sintética – e quem depois lhe dê forma e transforme em cestos, bases, malas ou outros artigos de decoração.
Neste pedaço de terra, como em tantas comunidades africanas, a mulher ainda tem um papel muito secundário. A formação é-lhe por vezes vedada e a prioridade é cuidar da família e da casa, contudo, as mulheres do grupo de cestaria de Godoma (Godoma’s women basket weaving group) fiam-se com linhas diferentes e procuram cruzar diferentes caminhos no futuro.
O sisal é matéria-prima, uma fibra muito resistente proveniente da planta da família do agave, que abunda em áreas limítrofes, mas o acesso ainda é um desafio, uma vez que o local de produção do sisal é bastante longe e o preço também um pouco caro para estas mulheres.
Hope Wakesko não só tem nome de esperança, como também a tece entre os dedos. Começou aos 15 anos, já passaram vinte e cinco. A técnica aperfeiçoou-se e hoje pode já ser um sustento para a família.
Foi com a ajuda da associação TTWCA (Taita Taveta Wildlife Conservancies Association) que começou a participar numa formação para ter mais competências e conseguir dar ao talento maior valor. O projeto começou em janeiro de 2023 e o objetivo é sobretudo “melhorar os meios de subsistência da população”, diz Alice Lenjo, gestora do projeto.
Em parceria com a TUI Care Foundation, procura-se criar um plano que vá ao encontro do circuito turístico – através da venda em resorts dos artigos de sisal, por exemplo –, bem como dar formação a mulheres e jovens para melhorar as suas técnicas. "Mapeámos uma série de grupos de mulheres, da região, que têm este talento de tecelagem de cestos e selecionámos 20 de cada para terem formação e acesso mais facilitado às fibras do sisal, aliviando-as dos encargos financeiros e da logística”, explica a gestora do projeto.
O acesso à fibra de sisal era um desafio para estar mulheres que tinham de fazer muitos quilómetros até aos campos dos seus produtores e por uma quantidade pequena era-lhes cobrados cerca de 100 xelins quenianos (cerca de sessenta cêntimos), valor elevado para as suas possibilidades. “Uma das formas que encontrámos, através do apoio da TUI Care Foundation, foi estabelecer uma quinta de demonstração, uma quinta de sisal. Aqui, as mulheres dos diferentes grupos podem visitar, ver como o sisal é realmente plantado no solo, existe uma técnica própria, e podem obter um preço melhor do produto. Um quilo de sisal por 80 xelins quenianos (cerca de cinquenta cêntimos)”, esclarece Alice.
A dificuldade de encaixar os produtos nos padrões de qualidade do mercado também levou a TTWCA a ajudar estas mulheres com formação, não só para aprenderem técnicas de tornar os seus artigos de maior qualidade, com mais resistência e firmeza, como também criar novos artigos, diferentes do que estavam habituadas a fazer.
Hope foi uma das mulheres selecionadas para esta formação e esteve uma temporada no norte do Quénia, em Isiolo, para trabalhar com uma associação de mulheres daquela região, a NRT. “Aprendi muito com aquelas mulheres”, começa por relembrar. “Fiquei muito motivada, porque vi que também elas negociavam os seus produtos; aprendi a trabalhar o couro e como posso acrescentar valor à minhas cestas, e vi como é importante as mulheres terem educação em diferentes áreas”, conta Hope.
Nesse programa as mulheres são incentivadas a trabalhar em diferentes negócios e a serem empreendedoras, seja em trabalhos de artesanato, de negociação ou na criação do gado. Áreas por vezes exclusivas aos homens. “Consegui pegar naqueles ensinamentos e trazer para as mulheres de Godoma. E agora temos conversas diferentes sobre como podemos expandir o nosso negócio ou, em vez de nos dedicarmos apenas à tecelagem, podemos também aventurar-nos na criação de gado, de caprinos ou na avicultura. Percebemos como podemos adquirir outras competências para além da tecelagem de cestos, para aumentar o nosso sustento”, diz satisfeita.
A formação e abertura de novos horizontes trouxe a Hope uma nova motivação e engenho. “Num mês eu fazia cinco cestos, hoje já sou capaz de fazer dez”, diz. O resultado disso é a possibilidade de vender mais e levar mais dinheiro para casa. “O meu marido vê melhorias em casa. Consigo pagar a mensalidade da escola das crianças, consigo comprar alimentos e garantir que está tudo em ordem em casa. Então ele apoia-me cada vez mais”, mostra-se orgulhosa.
Ainda com o objetivo de facilitar o trabalho, e permitir um crescimento, deste grupo de mulheres, a TTWCA vai financiar uma máquina que permite descascar a folha para tirar a fibra sisal. “Com esta tecnologia conseguirão fazer cinco cestos médios em duas semanas, enquanto agora levam duas semanas para fazer um cesto”, diz Alice.
A poucos quilómetros de Godoma também existem projetos que visam dar vida a estas terras e fazer florescer as suas raízes. Em Bura, um grupo de homens e mulheres reúne-se à volta daquilo que, à primeira vista, é só um cano de metal, mas que na verdade é uma “bênção”.
Estamos perante um furo de água com 180 metros de profundidade que vai beneficiar mais de 20 mil moradores desta região. “A água extraída deste furo será utilizada para produção agrícola, produção pecuária, para uso doméstico e também faremos com que escoe até ao Parque Nacional para servir a vida selvagem”, conta Jacob Mutua, responsável pelo departamento agrícola da zona de Bura, distrito de Taita Taveta dentro do Parque Nacional Tsavo.
Aqui todos os milímetros contam, literalmente, e numa região onde a média anual de chuva já não é abundante, cerca de 440 milímetros, em altura de seca pode nem chegar aos 100. “A quantidade de chuva que temos recebido tem estado muito, muito abaixo da média, portanto, isso não é suficiente para nos dar colheita.”
Foram instalados dois furos, um deles nestes campos destinados às comunidades circundantes de cerca de oito freguesias, e outro no Santuário de Vida Selvagem de Taita Hills para fornecimento de água aos animais selvagens. “Este projeto chegou numa altura em que precisávamos desesperadamente de água”, conta Jacob. O projeto é uma parceria entre a African Wildlife Foundation (AWF) e a TUI Care Foundation.
A extração da água do furo é feita através da energia solar. Foram instalados painéis, com acesso ao furo, e serão o motor para bombear a água. “Também vamos colocar um tanque de armazenamento de água, cerca de dez mil litros e outro tanque de distribuição, no topo da colina, que fará com que a água flua para escolas, hospitais ou para os agricultores”, explica Nathan Gichochi, ecologista do projeto.
Estes projetos, plantados em poucos metros quadrados, têm para estas comunidades uma importância extrema e permite sonhar além-fronteiras. “A nossa terra é boa, é fértil, só lhe falta água. Assim que conseguirmos água, poderemos fazer maravilhas. Podemos produzir, podemos ter comida suficiente; podemos até vender e exportar”, sorri Jacob.
Também para Hope é possível imaginar que um dia os seus artigos, tecidos ali naquele pequeno pedaço de terra perdido numa pequena aldeia queniana, possam cruzar oceanos e céus. “Isso deixa-me muito muito feliz”, diz de sorriso aberto, esquecendo a timidez que lhe é característica.
Numa terra habituada a grandes temporadas de seca, a promessa de um futuro melhor é o que inunda estas pessoas de entusiasmo e esperança.
O SAPO Viagens visitou o Quénia a convite da Tui Care Foundation
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