Por: João Damião Almeida
Moshi é a palavra Swahili para fumo, e não sendo estranho um título destes para uma cidade em solo vulcânico, a razão exata deste nome não é consensual. O monte Kilimanjaro - "Kilima" (monte) e "Njaro" (branco/brilhante) - é um imponente vulcão adormecido e é também isto que torna a paisagem de Moshi tão diferente de uma cidade nos Alpes, nos Andes ou nos Himalais. É que, com os seus 5895 metros de altura, esta montanha é mesmo a maior "free-standing" do mundo, ou seja, a maior montanha isolada, que não pertence a uma cordilheira.
Dos modestos 800 metros de altitude da cidade, olhar o topo do Kilimanjaro é deixar-se deslumbrar por um colosso de cinco quilómetros de altura, mais do dobro da montanha do Pico. Admirar este cume esbranquiçado pela neve nem sempre é possível com as nuvens frequentes ao redor da montanha: deve acordar-se cedo ou esperar-se pelo fim da tarde para o ver surgir sobre as nuvens.
É fácil, assim, perceber a razão desta montanha solitária de cume liso, que abriga quem lá vive e que protege a região, que é o limite máximo do continente e também, por isso, o seu símbolo, que é a barreira e ponte entre o solo e o céu, ser muitas vezes chamada "o teto de África".
Se observar o Kilimanjaro já é deslumbrante, subi-lo deverá ser estrondoso. Mas serão também cinco a oito dias, uma equipa que inclui guias, cozinheiros e três transportadores por pessoa (para levar comida, água e material) e pelo menos mil euros, pelo que a nossa viagem não passará por ali.
Alugamos um carro que nos permitiu sair do núcleo urbano de Moshi. Esta cidade com a dimensão geo e demográfica de Braga é também capital de uma região que é central na produção de café no país. O solo fértil e tropical das encostas do Kilimanjaro são propícias ao crescimento das plantas Coffea arabica (arábica) e Coffea canephora (robusta), cujos grãos de café tratados, torrados e moídos são vendidos no leilão semanal de Moshi ou exportados para o Japão, Europa e Estados Unidos, num mercado de centenas de milhões de dólares. É possível, em alguns casos, visitar as fazendas desta região e acompanhar o processo completo de produção de café, o que constitui também, para quem visita Moshi, um ponto de interesse significativo.
Esta região é também o lar dos indígenas Chagga, o terceiro maior grupo étnico do país. Descendentes dos Bantu que migraram para aquela região há quase mil anos, ter-se-ão ali fixado pela fertilidade e irrigação do solo e prosperado com base na agricultura. Dos seus tempos de fuga aos assaltos Maasai (outro grupo étnico desta zona) no século XVIII, chegaram até nós túneis de dezenas de quilómetros naquelas encostas, onde os Chagga chegavam a viver e que vale muito a pena visitar.
Aproveitamos o transporte, que alugamos por dois dias, para ir explorar também os contornos a oeste da cidade. Conduzir neste país é duplamente desafiante para um português habituado a conduzir do lado direito da estrada e ao rigor das normas no trânsito europeu. Passando a confusão da urbe, é necessário tomar a A23 em direção a Arusha. É uma estrada internacional e uma das principais estradas do país, com 230 quilómetros e que começa no Quénia. É também um caminho alcatroado com apenas duas faixas e onde é raro ultrapassar os 70km/h. Saindo da estrada principal para apanhar 15 penosos quilómetros de gravilha, chega-se a um outro conjunto de atrações da zona. As cascatas são também comuns em vários pontos da zona e ali reúnem-se também termas de água cristalina e "peixes-pedicure" atrevidos.
De regresso a Moshi, ao pôr do sol, as nuvens já dispersam para descobrir o cume aplanado do "Kili". O relógio marca hora de ponta, mas não se nota. Ali, a vida leva outro ritmo. As gentes passeiam e os carros passam. As rotinas cumprem-se, as vidas cruzam-se - mesmo sem se tocarem - mas há algo que as une a todas. Em Moshi, quando lá passamos, todos vivemos sob o mesmo teto, todos vivemos sob o teto de África.
Projeto Prá frente
O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.
Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente
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