Primeiro: escolher os destinos. Os seus preferidos são os que tenham temperaturas elevadas. E não escolhe sítios por serem turísticos, mas o património é sem dúvida o fator atrativo e ela não o deixa escapar na sua seleção. Vejam a sua galeria e também o livro “Mami Geographic” onde encontram meio planeta visitado e uma imensidão de património tocado pela sua mão. Já percebi que ela é como eu: quando se pode tocar, encostamos a pele à pedra dos antepassados para sentir a História e a vida das coisas nos seus lugares e nos seus templos. Por outro lado, ela veste a personagem de cada cultura: cada país é para ela um palco no qual ela enverga as vestes e come os pratos de forma absolutamente nativa.
Ainda quanto a destinos: o que não estava à espera? Não contava em se apaixonar pelo México, especialmente o Pueblo Chamula que foi sentido com um misto de sensações a que podemos chamar paixão. Impactante e estonteante, mas agreste. Um choque visual. Ela retrata no seu livro mais sobre a sua história neste Pueblo e noutros lugares mágicos como sendo ‘arrepiante’ no pleno sentido da ‘pele’. Apesar de ela ter ficado totalmente atraída pelo Pueblo, não se sentiu bem nestes lugares pois não sendo turísticos, então as pessoas não recebem bem os estrangeiros. Não é um costume, nem parece pretender sê-lo.
Por falar em atração, naquele Pueblo a atração turística era uma igreja despojada de santos que estavam deitados pelo chão, sem padre (que assassinaram) e plena de agulhas de pinheiro e flores selvagens. Então ela fotografou com o olhar uma mistura de culto cristão com o pagão. Captou rituais numa “espécie de religião híbrida” que é constante naquele lugar onde você pode entrar, mas não pode sequer “andar com a máquina fotográfica à vista”. Ela confessa que as lágrimas não se contiveram nos seus olhos, mas sentiu-se outsider (“saí assim que pude”) naquela “beleza arcaica e poderosa”. Poucas fotos do México porque procurou lugares como a igreja de Chamula onde a lente é proibida.
Destino principal? Quando lho perguntei, senti de novo um reencontro com a minha entrevistada pois o Camboja é o nosso país de eleição ou de coração. No caso dela: passou dias e dias num mercado de Phnom Penh onde a viagem no tempo é uma outra viagem embutida. Ali ainda se vive como nos mercados dos séculos passados, sendo que compara com a Bolívia e o Peru. Mercados onde se misturam cheiros, flores e guelras. Aqui sim temos o outro lado da fotografia proibida. Temos a liberdade plena em modo de fotografia macro: foco em pormenores lindos com uma mistura que não é fácil para um fotógrafo, viajante, pessoa. Texturas e aromas que ela capta de forma muito própria e que nada tem a ver com género. Animais, tecidos, vivos e mortos. Tudo junto num só cenário que lhe permitiu viver quinze dias repletos “só a ver (…) a fotografar tudo”. Nada a impressiona enquanto fotógrafa.
Além dos mercados, o seu vício de viajante está nos espetáculos de dança. Relembra como foi viver e fotografar as danças e os trajes em La Paz, na Bolívia. Também em Nicarágua e na Guatemala. São festivais que permitem a fotografia na sua plenitude. Ela explica: a Mami deita-se no chão e chega-se aos pés dos bailarinos para captar todo o movimento. Não é a típica turista que compra o festival para apenas contemplar. Ela alimenta a sua lente e alma, de novo com a pele colada de forma telúrica.
Assume-se como uma fotógrafa de close-up e não de retratos. E vai aos pormenores todos, chega-se perto das coisas e demora-se nelas até sentir que completou a ideia do que viu e sentiu. Como cresceu no seio da Companhia Nacional de Bailado (pois a mãe era produtora), identificamos facilmente na Mami a sua belíssima técnica de fotografar espetáculo, seja dança, seja mercado, pois tudo é absoluto “teatro da vida (…) a fotografia quase deixa de ser quase fotografia e acaba por ser quase uma fotografia de natureza morta decorativa”. Ela volta aos mercados, como quem volta às melhores memórias, porque é onde a fotografia pode ser mais livre e com o ângulo close-up que define o olhar da Mami Pereira. Com ela já tem ideias que podem diferenciar a sua forma de ‘ver’ e fotografar nas suas próximas viagens: o close-up ou a fotografia proibida.
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