![Em viagem: Uma ruína aos olhos de uma criança](/assets/img/blank.png)
Estamos no Vietname, numa pequena cidade encostada ao mar, mas podíamos estar em qualquer parte do mundo, em todo o lado há casas que perderam tectos, que perderam o chão, que perderam paredes, que perderam cor, que perderam vida dentro delas, que deixaram de ser casas.
![Casa em ruínas Casa em ruínas](/assets/img/blank.png)
A pequena Mia olhou-a e viu uma casa – onde eu vi uma casa em ruínas. Ela viu uma casa: bonita. Quis entrar. Entrámos: juntas.
Enquanto entro os meus pés pisam pedra desfeita, que terá já sido parede, e há uma janela: por onde terá já entrado a luz do dia e a luz da lua; por onde já terão espreitado as crianças desta casa; por onde terão entrado ventos frios e quentes; por onde se terão dito: ‘adeus’ e ‘estávamos à tua espera, ainda bem que chegaste’.
Uma janela – disse ela. Era uma janela sem vidro, uma janela que estava em menos da sua metade, mas ela via uma janela e eu debrucei-me no parapeito, pela janela desfeita. Do outro lado estava ela, nas pontas dos pés, para espreitar melhor para mim. Nesse momento a janela pareceu-me refeita, vi tudo de novo, como se a casa se reconstruísse diante dos meus olhos; não era uma reconstrução que devolve a outra metade à janela, que lhe devolve as paredes e o tecto, era uma reconstrução por dentro, no meu olhar sobre essa casa.
![Casa em ruínas Casa em ruínas](/assets/img/blank.png)
Aí, nesse momento, no lugar da (casa em) ruína, vi a casa (bonita), que ela viu desde o primeiro momento. Não lhe faltava nada! Agora que a olhava dessa janela – que são os seus olhos – eu via que a casa era feita da mesma cor que o vestido que ela trazia, vi o candeeiro que ela acendia com a sua mão – capaz de fazer luz – e eu, que outrora teria recuado no tempo e imaginado os que um dia habitaram esses muros, quando ainda eram aconchego e afago, nesse dia não o fiz, deixei-me levar pelo seu olhar sobre as coisas e engoli cada passo nosso até ali.
Daquela janela, veio o vento que me acarinhou o rosto, como quando alguém de quem gostamos nos inclina a cabeça num sorriso que diz orgulho, sem precisar de voz.
É isto que estamos a construir(-lhe): esta capacidade de ver o que há, a beleza no que há, no lugar de apontar o que falta, o que falha.
Eu também vi a casa, como ela a disse: - Uma casa bonita, mamã.
Eu deixei de ver as ruínas, a janela desfeita, as paredes caídas e vi: um casa bonita.
![Casa em ruínas Casa em ruínas](/assets/img/blank.png)
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.
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