Quando pensava visitar Berlim, pensava em visitar os lugares históricos, museus e, claro, espreitar a vida noturna. Porém, a minha primeira vez na cidade acabou por ser diferente e isso permitiu-me conhecer o seu presente atual que resulta de um passado com feridas que não podemos esquecer (e que conhecemos).
É certo que ficou muita coisa por ver, no entanto, descobri tradições antigas e percebi que Berlim é uma cidade que não se esgota numa só viagem — especialmente se se quer “viver” a cidade.
Seja qual for o foco da viagem, há sempre razões para voltar e mais para descobrir. Se de um lado, há a história, que é importante conhecer para que não se voltem a cometer erros como os do passado, por outro, o presente é inspirador: Berlim é conhecida como a capital das hortas urbanas e cerca de um terço do seu território é composto por espaços verdes.
Trocar o centro pelos arredores, porque não?
Fiquei hospedada num bom lugar para explorar Berlim, no H+ Hotel Berlin Mitte, contudo, só fiquei neste hotel a 300 metros da rua comercial Friedrichstrasse a primeira noite. Claro que não deu para conhecer a cidade, mas deu para sentir o seu pulsar.
Na manhã seguinte e depois do pequeno-almoço, segui para a Estação Central de Berlim a pé, que ficava a 15 minutos, para me encontrar com o resto do grupo que me acompanharia até Shorfheide. A caminho da Estação, consegui ver o Museu de História Natural (só por fora).
A pé e a partir do H+ Hotel Berlin Mitte, também é possível visitar o Portão de Brandeburgo e a famosa Avenida Unter den Linden (ambos a 20 minutos).
Como ainda estava com (e bom) tempo, sentei-me num banco ao ar livre para apreciar o Canal de Westhafen enquanto via comboios a passar. Só depois é que segui para a Estação e soube bem ter este tempo e liberdade de poder parar no caminho só porque sim.
A Estação Central de Berlim, a maior de caminhos de ferro em multiníveis da Europa, vale como uma atração. Para além de ser uma construção de grandes dimensões e do exterior ser todo em vidro, parece um centro comercial (há lojas, cafés e restaurantes) com comboios a passar por baixo e por cima de nós.
Não sei se, numa primeira visita a Berlim, teria esta estação na lista de lugares a visitar, mas com certeza que tropeçaria nela. E será que teria tempo para escolher um café para me sentar e tomar um café a observar a correria da estação? Talvez, se tivesse que apanhar um comboio — e aí teria que estar a olhar para o relógio.
Naquele dia, sentei-me num café e não me preocupei com as horas. A viagem até Schorfheide seria por estrada.
Um mundo verde facilmente esquecido
Schorfheide fica a cerca de uma hora de Berlim e durante a pandemia serviu de refúgio para muitos citadinos. Hoje, alguns dos lugares que atraíram visitantes nos tempos de pandemia parecem esquecidos.
É o caso do projeto Biorama e do Parque de Schorfheide. Para além de terem sido construídos com amor, foram o escape de muitas famílias em tempos de pandemia.
Em primeiro lugar, visitamos o projeto Biorama. Localizado na Reserva da Biosfera Schorfheide- Chorin, o Biorama nasce da recuperação de uma Torre de Água que havia sido construída nos finais dos anos 50 para trazer água à região, que, na época, ainda não tinha água canalizada. Para além da recuperação da Torre, que hoje serve de miradouro, o projeto também deu nova vida à casa da família que era proprietária da Torre. A casa, que outrora tinha três pisos, é hoje uma galeria de arte.
Os responsáveis pelo projeto são um casal britânico que decidiu mudar de vida. Depois de experimentarem viver três meses em seis cidades diferentes - uma foi Lisboa -, Sarah e Richard escolheram mudar-se para Berlim por causa da “preocupação da cidade com o ambiente”.
Lisboa não conquistou o casal porque este sentiu os seus habitantes “um pouco distantes”, segundo Sarah. No final, também não ficaram na capital da Alemanha. Isto porque Richard, que adora ciclismo, achou a cidade aborrecida para pedalar. E foi a pedalar, conta-nos Sarah, que o marido descobriu o espaço do Biorama. Apaixonou-se pela Torre de Água, que se encontrava abandonada, mal a viu e achou que seria o lugar ideal para morarem.
Inicialmente, Sarah não achou boa ideia, no entanto, acabou por concordar. Assim, a Torre serve de lar para o casal, bem como de escritório, pois, para sustentarem o projeto, prestam serviços remotamente para empresas de outros países. O topo da estrutura, que oferece uma vista para a imensidão da Reserva, recebe visitantes entre outubro e abril.
Tanto o miradouro como a galeria do Biorama são acessíveis para todos. Esta foi uma das maiores preocupações do casal assim que subiram à Torre e apreciaram a vista pela primeira vez. Nesse momento, conforme nos descreveu Sarah, perceberam que a deviam partilhar com todos. E quando se referiram a todos, quiseram dizer mesmo todos, por isso, acrescentaram um elevador à torre.
“Tem que se ser muito louco para se construir um parque selvagem”
Quem o diz é Imke Heyter, diretora do Parque de Vida Selvagem de Schorfheide. Imke di-lo por experiência, afinal, é derivado à sua resiliência que o parque, nascido de um sonho do pai, continua em atividade.
Ao lado do pai, Imke largou a vida em Berlim e ajudou-o a construir o parque. Porém, as barreiras que se foram colocando e os demais desafios económicos deixaram o pai, que tinha trabalhado como médico, esgotado, o que o fez desistir do seu sonho. No entanto, Imke já não se via a morar na cidade e já tinha uma ligação com os animais. Assim e, apesar dos desafios, não desiste.
No parque, descobrimos espécies nativas da região, entre as quais, os lobos. Com uma área de 100 hectares e sete quilómetros de trilhos para caminhar a pé ou de bicicleta, o parque oferece várias atividades para famílias. Para os mais aventureiros, há um área de escalada. Também é possível visitar o Centro dos Lobos para ficar-se a saber mais sobre a espécie nesta região.
Muitos animais que se encontram no Parque são doados. Parte da carne que serve de alimento também vem de animais que foram atropelados. Imke faz o melhor que pode para manter o Parque de portas abertas e cuidar dos animais.
Tal como Sarah do Biorama, Imke lamenta que o interesse pelo espaço durante a pandemia tenha sido passageiro. Afinal e ao contrário do que se previa, a pandemia não nos fez mudar assim tanto.
Para além destes projetos e se procurar uma experiência mais intimista, que conjugue natureza e animais, pode experimentar passear burros em Flieth, outra localidade situada na Reserva, esta na zona rural de Uckermark, a joia verde alemã que fica a cerca de 76 quilómetros da capital.
A nova vida dos alimentos e das velhas tradições
Doces, bebidas e acompanhamentos. A maçã serve de várias formas o povo alemão, porém, muita acaba por ser desperdiçada.
Em Kraatz, Uckermark, descobrimos quem tenha juntado o útil ao agradável. Ao invés de deixarem apodrecer as frutas das macieiras e pereiras de Kraatz, Florian Profitlich e Edda Müller transformaram o desperdício em oportunidade e criaram o Gutshof Kraatz numa antiga propriedade (1870) que hoje oferece alojamento, restaurante e loja de vinhos e sidra, bem como uma pequena fábrica de produção e lagar de maçãs.
Para além de terem conseguido oferecer um produto diferenciado no mercado, o trabalho de Florian e Edda faz com que os pequenos agricultores da região continuem a preservar árvores e variedades de maçãs, peras e marmelos antigas e exclusivas da região. Deste modo, contribuem para preservar a diversidade regional para as gerações futuras e quem visita passa também a contribuir.
Mas este não é o único negócio local que procura preservar tradições e sabores antigos. Antes da Segunda Guerra Mundial, era comum existirem destilarias nas aldeias alemãs e, agora, em Altkünkendorf, encontramos a destilaria Grumsiner que homenageia esses tempos. Tal como Gutshof Kraatz, a destilaria Grumsiner, nascida pelas mãos de Thomas Blattlein, utiliza grãos de cereais antigos e quase esquecidos para produzir whiskeys e gins especiais.
Ao explorar e a descobrir as pequenas aldeias e vilas em Uckermark descobrimos um lado mais genuíno que talvez esteja ofuscado em Berlim ou que talvez não consigamos captar pois são muitas as atrações e distrações para um tempo limitado. Em Lychen, por exemplo, descobrimos uma pequena padaria, a Handwerks Bäckerei que facilmente nos passaria ao lado mas que vale uma visita (e provar as iguarias) pois utiliza produtos biológicos e o delicioso pão é feito com as mãos.
Fazer algo que deixe as pessoas felizes e a recordar memórias da infância foi das preocupações primordias de Julien Strittmatter, filho e neto de padeiros e proprietário desta padaria.
Apreciar o silêncio e respirar ar puro
Uckermark é considerada uma joia verde e várias são as formas de explorar este lugar. Em Lychen, pode fazer um passeio numa jangada de madeira que lhe permitirá apreciar a paisagem, o silêncio e respirar ar puro. As jangadas de madeira são utilizadas em Lychen há mais de 300 anos e permitem um passeio tranquilo em comunhão com a natureza envolvente.
Ler: A tranquilidade convidativa de Schorfheide e Uckermark em imagens
Tours para descobrir Berlim dos nossos dias
Quando visitámos o Gärten der Welt, o guia referiu que esta era uma atração muitas vezes esquecida e que, por estar mais distante do centro, acabava só por ser visitado numa segunda ida ou terceira a Berlim. Os Jardins do Mundo são um lugar para ir com tempo e tirar proveito, assim, sem dúvida, ou se está a viajar em modo slow, ou se tem muitos dias ou já se conhece parte da cidade.
E porque Berlim é uma cidade verde e com foco na sustentabilidade, vale a pena conhecer a cidade sob este ângulo e o que não faltam são tours com guia que nos fazem perceber o que mudou nos últimos 30 anos e que nos mostram também projetos que procuram não seguir as leis da economia e tentam fazer diferente.
Foi graças a uma destas tours que ficamos a conhecer o Projeto Spreefeld. Localizado na margem do rio Spree, entre Mitte e Kreuzber, o Spreefeld é uma cooperativa que conta com três edifícios residenciais, espaços comerciais, jardim de infância e hortas comunitárias.
Para além do Spreefeld, também tivemos a oportunidade de conhecer o projeto Teepee, uma pequena comunidade que procura viver com pouco dinheiro. Os “teeplanders” vivem em tendas temáticas e, quem quiser, durante o verão pode experienciar a vida nesta comunidade.
Para descobrir o centro e as principais atrações, pode optar por um passeio num catamarã movido a energia solar - para procurarmos sermos mais amigos do ambiente.
Como descobrir a melhor "má comida" da cidade e despedir-se com sabor português
As Fork & Walk são uma tendência em Berlim e recomendam-se pois levam-nos a descobrir o que está a fervilhar e a dar sabor na cidade.
Foi assim que descobrimos o Goldies que podia ser mais um restaurante de fast food, mas optou por oferecer saborosas batatas fritas e frango frito através de combinações inesperadas mas deliciosas.
Ainda graças a esta tour despedimo-nos de Berlim com sabor português no 7 Mares Berlin, uma casa de vinhos portugueses onde degustamos vinho do Porto, pastéis de nata na companhia do proprietário, o Tiago.
Para os amantes do fine dining e que procuram opções vegetarianas, sugerimos o FREA que também segue uma política de desperdício zero.
Percorra a fotogaleria para ver mais imagens desta aventura por Berlim e arredores:
*O SAPO Viagens viajou a convite do Turismo da Alemanha
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