Reportagem por Blaise Gauquelin
Patriarcas desalinhados e chicotes que estalam no ar gelado da noite são algumas das características deste costume cristão, que é realizado anualmente no dia 5 de dezembro desde o século XIX e é considerado património mundial imaterial. Segundo a Unesco, é "um dos poucos que se conservam nesse estilo".
São Nicolau, celebrado no mundo germânico há séculos, é acompanhado nesta cidade alpina da Estíria (leste) por dezenas de personagens que se assemelham a um demónio.
Os "Krampus" cobertos de pele de carneiro preto atacam a multidão para puni-los pelos seus pecados, gritam de maneira assustadora e vestem máscaras de madeira esculpidas à mão.
"O espetáculo mais antigo acontece desde 1983", diz Alfred Speckmoser, de 54 anos, um dos organizadores da encenação, que começa a ser preparada todos os anos em outubro. Batizado de "Nikolospiel", o espetáculo costuma atrair uma multidão.
Demónios de inverno
Antes de vestirem os seus trajes, os participantes tocam música folclórica numa taberna e bebem chá para se aquecerem, acompanhado por um bom copo de schnaps, aguardente de pêra destilada pelos agricultores locais.
Todos, 130 no total, são homens. A única vez que uma mulher foi aceita aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, para representar o anjo da guarda.
Animada pelo álcool, a procissão infernal parte ao anoitecer, passando de albergue em albergue.
Os "Schabs", doze silhuetas cobertas de palha equipadas com antenas de mais de três metros, abrem o caminho, expulsando os demónios do inverno com os seus sinos ensurdecedores.
Em cada local onde param, repete-se a cena. São Nicolau pergunta às crianças, reunidas em torno de uma fogueira, sobre os seus conhecimentos de catecismo e recompensa os mais estudiosos com doces. Então, a Morte aparece acompanhada de Lúcifer e os seus cúmplices sequestram - a brincar - as crianças que se comportam mal para levá-las para o inferno.
"Quem nunca participou pode achar isso assustador", admite Daniela Pücher, uma moradora da aldeia. Embora a prática tenha diminuído ao longo dos anos, "os mais jovens têm medo" e são levados a pensar se estão entre os bem comportados.
"Reforçar a fé"
"Há 150 anos, esta era uma maneira da Igreja Católica transmitir a sua mensagem aos camponeses mais velhos que não sabiam ler, nem escrever", conta Martin Rainer, de 56 anos, chefe da associação organizadora.
Para Katharina Krenn, chefe do museu regional no Castelo de Trautenfels, "os jesuítas promoviam fortemente" o Nikolospiele para "reforçar a fé católica" ou "re-catolicizar regiões protestantes".
Os textos não mudaram desde que foram transcritos da tradição oral em 1863. Eles estão "ultrapassados hoje", sublinha Herbert Neuper, de 77 anos. "Mas mostram como era antes."
No entanto, isso não assusta os adolescentes, que, em tempos dominados pelos ecrãs, trabalham arduamente para se integrarem na associação.
"Estamos muito orgulhosos de termos preservado a nossa tradição em toda a sua autenticidade e temos a certeza de que a transmitiremos como sempre foi, graças ao seu compromisso", disse Martin Rainer.
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