Reportagem: Carlos Mandujano / AFP
Anormalmente quentes para esta época do ano, as águas do Pacífico trazem um alerta às praias: o El Niño já começou e deve ser o mais intenso em décadas, uma sentença de fome e morte para as iguanas marinhas negras do arquipélago equatoriano das Galápagos.
Na areia branca da Ilha de Santa Cruz, transbordam exemplares de "Amblyrhynchus cristatus", que podem viver até 60 anos. É uma espécie única, de aparência pré-histórica e uma das mais ameaçadas pelo aumento da temperatura da superfície do oceano associado ao fenómeno climático El Niño, que também enfraquece os ventos e gera fortes chuvas.
É um evento "que assolou permanentemente Galápagos", afirma o diretor do Parque Nacional de Galápagos, Danny Rueda, em entrevista à AFP.
No entanto, a sua intensidade e frequência variam. Em 1982, o El Niño emitiu um primeiro alerta de fúria e, em 1997, branqueou colónias inteiras de corais e causou estragos na vida animal das ilhas que inspiraram a teoria da evolução de Darwin.
"Este seria, possivelmente, de acordo com as previsões, o terceiro fenómeno El Niño com esta magnitude igual aos anteriores", diz Rueda, com preocupação.
A Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês) anunciou o início do El Niño a 8 de junho, alertando que "poderia gerar novos recordes de temperatura" em certas regiões.
No passado, o El Niño reduziu a população de pinguins e cormorões em 30%. Também afetou leões marinhos das Galápagos e iguanas marinhas, as quatro espécies mais vulneráveis do arquipélago.
Normalmente, nesta época do ano deve haver uma "entrada de água fria, mas ainda temos água muito quente", observa Rueda.
Perda de tamanho e peso
O acompanhamento da população animal permitirá determinar a intensidade do El Niño, que ocorre em média a cada dois a sete anos e costuma durar entre nove a 12 meses.
Devido a um menor "êxito reprodutivo" destas espécies, explica Rueda, estamos "a falar de um fenómeno El Niño (…), no âmbito da conservação, com um efeito muito grave".
Embora se trate de um fenómeno climático natural, o atual episódio insere-se "no contexto de um clima modificado pelas atividades humanas", alerta a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
As espécies das Galápagos têm condições de sobreviver às anomalias climáticas, o que se conhece como resiliência, mas se essas variações ocorrerem com muita frequência e intensidade, elas não têm tempo de recuperar-se e correm o risco de quebrar o equilíbrio entre natalidade e mortalidade.
Com uma população de 1.000 a 1.500 indivíduos, os pinguins e cormorões podem ser mais afetados do que as iguanas marinhas, as únicas do mundo capazes de mergulhar.
Com cerca de 450 mil indivíduos, esses répteis são uma "população que pode se recuperar muito rapidamente", diz Rueda, o que não os impede de perder peso e encolher até cinco centímetros, como já foi documentado no passado.
As iguanas marinhas só comem algas perto da praia "e não podem nadar longas distâncias em mar aberto para buscar comida", que acaba justamente na época do El Niño, complementa o diretor da ONG Galapagos Conservancy no Equador, Washington Tapia.
E menos algas significa menos peixes, que são, por sua vez, alimento de leões marinhos e outras espécies.
Ninhos inundados
Devido às fortes chuvas, as populações de tartarugas marinhas e terrestres também podem ser afetadas, porque os ninhos seriam inundados, e os seus ovos seriam perdidos.
"Sendo um fenómeno natural, não temos medidas preventivas", a única coisa que pode ser feita é "ter o número da população pós-El Niño para saber o quanto o fenómeno impactou essas populações vulneráveis" das Galápagos, diz o diretor do Parque.
A 1.000 km da costa equatoriana, o arquipélago abriga 33.000 pessoas e é um dos lugares mais expostos à crise climática.
"Estamos num lugar onde muitas correntes marinhas convergem e isso faz com que eventos como o El Niño, produto da mudança climática, tenham um impacto severo em muitas espécies e em alguns ecossistemas", explica Tapia, que dirige um projeto para repovoar tartarugas gigantes juntamente com a multinacional peruana de bebidas AJE.
Por enquanto, na praia de Tortuga Bay, na ilha de Santa Cruz, as iguanas marinhas - que podem descer até 12 metros de profundidade e permanecer submersas por até 60 minutos - ainda encontram alimento perto das areias brancas.
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