Após minutos de tensão, os passageiros ficam livres para passar para a cinza e sombria Berlim Oriental dos anos 1980.

O muro caiu há 30 anos e viajar no tempo ainda é impossível. Apesar disso, uma empresa emergente alemã especializada em realidade virtual está a oferecer viagens históricas até a Berlim Oriental da época.

"A nossa ideia era que, como não podemos voltar no tempo, tentaríamos recriar uma perfeita ilusão do que foi aquilo", disse em entrevista à AFP Jonas Rothe, de 33 anos, fundador da TimeRide.

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(FILES) In this file photo taken on August 22, 2019 Jonas Rothe, founder and CEO of Timeride, a company offering Virtual Reality tours through a still-divided Berlin, poses next to Checkpoint Charlie on August 22, 2019 in Berlin. (Photo by Tobias SCHWARZ / AFP) créditos: AFP or licensors

"Isto não é um museu e não quer ser um museu. Queremos que o visitante deixe-se levar e que tenha a sensação de ser um participante da História".

A TimeRide Berlim abriu no final de agosto, antes da comemoração do 30º aniversário da queda do muro, que aconteceu no dia 9 de novembro de 1989, durante um movimento de revolução pacífica.

A ideia alimenta-se de um desejo crescente de encontrar um turismo imersivo de contexto histórico, "autêntico" e interativo, diz Rothe, especialmente numa cidade que passou por uma transformação brutal nas últimas três décadas.

Onde está o muro?

Muitos turistas ficam decepcionados ao ver os poucos restos que ainda existem em pé do muro que dividiu Berlim em duas durante quase 28 anos, e que foi rapidamente derrubado antes da reunificação, em 1990, e mesmo depois.

Rothe, que nasceu na cidade de Dresden, no leste, era muito pequeno quando o muro foi derrubado, e diz que queria dar aos seus clientes a sensação vívida de um mundo perdido.

A TimeRide oferece uma rápida introdução sobre como a Alemanha foi dividida em vários setores, após a sua derrota na Segunda Guerra Mundial, e como as autoridades comunistas fecharam uma fronteira à noite, em 1961, para travar o êxodo em massa de cidadãos para o lado oeste.

Na sala seguinte, três protagonistas - um soldado rebelde, um cidadão desenganado e um punk de Berlim Ocidental que passa o seu tempo no cenário "underground" do leste - são apresentados numa tela.

Os visitantes escolhem um dos três para que os "lidere" pelo tour, e depois sobem na réplica de um autocarro com óculos de realidade virtual.

O "passeio" continua pela tensa passagem fronteiriça, a elegante praça Gendarmenmarkt com as duas catedrais ainda danificadas pela guerra, os novos e altos prédios pré-frabricados de Leipziger Strasse, um exemplo do luxo residencial da época.

Os agentes da Stasi vigiam os cidadãos de uma forma muito subtil utilizando um carro sem placa, enquanto os clientes das lojas fazem fila e a propaganda comunista é feita com megafones.

Rothe diz que quis criar uma experiência completamente imersiva.

"O olfato, claro, tem uma conexão mais forte com a memória, mas não é fácil recriá-lo sem que as pessoas fiquem com dor de cabeça", afirma, em referência ao inconfundível cheiro dos canos de descarga dos carros Trabant da Alemanha Oriental.

O passeio de autocarro termina no Palácio da República, sede do parlamento que foi demolido em 2008, e mostra vídeos históricos da festiva queda do Muro de Berlim.

"Estas imagens nunca falham para comover as pessoas. Foi um ponto de virada na história da Alemanha, da Europa e do mundo inteiro", diz Rothe.

"Antigos filmes de espionagem"

O tour tem vendido muito bem nas semanas antes do aniversário de 9 de novembro.

Colin MacLean, um escocês de 47 anos, disse que chegou a aprender mais sobre a Alemanha Oriental porque a sua esposa cresceu com o comunismo e porque é um fã dos filmes de suspense da Guerra Fria.

"Gosto deste tipo de sentimento melancólico que a pessoa tem com filmes antigos de espionagem, grandes praças com apenas duas pessoas a caminhar. Esse tipo de coisa", diz.

Robert Meyer, um alemão ocidental de 55 anos, costumava visitar a sua família que vivia do outro lado do muro.

"O modo como mostram a passagem fronteiriça é muito real", diz.

"Tinha aqueles guardas de fronteira e ficava-se indefeso diante deles. Podiam tratar-te como quisessem", lembra.

A esposa, Iris Rodríguez, uma dominicana de 47 anos e dona de um restaurante, disse que o "final feliz" comoveu-a.

"Cuidadoso"

Rothe diz que o passeio não deve fazer com que o verdadeiro sofrimento dos dissidentes sob o comunismo seja encarado de forma leve.

"O que não mostramos são as tentativas de fuga e em particular as mortes no muro", afirma Rothe.

No total, segundo um estudo oficial, 327 pessoas morreram na fronteira entre as duas Alemanhas. O número é criticado pelas associações de vítimas, que dizem que na realidade foi ainda maior.

Rothe diz que, considerando o grande interesse potencial, poderia também criar um passeio pela época nazista, mas que os tabus históricos tornam a ideia muito arriscada.

"É preciso ter cuidado com o que se mostra e fazê-lo com respeito", conclui Rothe.