Não é preciso ser entendido em latim ou versado em botânica para perceber que há qualquer coisa que nos soa a familiar na palavra Saccharum. Ainda assim, dita à queima roupa, ela provoca estranheza e há na ilha quem não o consiga pronunciar à primeira. Nem localizar: para uns já está na Calheta; para outros está ainda em Arco da Calheta.
Precisões logísticas à parte, para quem vem de fora, importa saber que a Calheta se encontra na costa sul da ilha, a cerca de 20-30 minutos de carro do Funchal, e que se mantém como um dos poucos concelhos onde persiste uma fábrica de transformação da cana de açúcar em mel e aguardente. Este último dado é mais do que um pormenor, pois, além do nome, a cultura serviu de mote à construção e ao layout do hotel que é também resort urbano (afinal, o mesmo encontra-se à beira-mar) e spa.
À chegada, impressiona o tamanho do complexo, a segunda propriedade do grupo AFA, que já possuía o Hotel Calheta Beach e investiu cerca de 16 milhões de euros para criar uma alternativa de peso às unidades hoteleiras mais centrais. A arquitetura é da dupla Roberto Castro e Hugo Jesus (do atelier RH+), que criou um edifício tridimensional e modular, acoplado a um dos flancos da montanha e de frente para a marina. O empreendimento levou três anos a sair do papel e, já na parte final, foi fundamental a intervenção da designer de interiores Nini Andrade Silva.
Natural da Madeira, mas com obra feita e reconhecida quer no continente quer no estrangeiro, Nini tem um estilo muito marcado, pautado quase sempre por cores mais escuras que enaltecem a paisagem, e por gostar de desenvolver os seus projetos em torno de um tema. Neste caso, tinha a cultura sacarina, com tudo a ela associado, e cuja história é contada nesta unidade em modo de instalação (quase um museu), para tirar da cartola uma paleta de tons (verde-seco, castanhos, púrpura) em concordância e para introduzir elementos associados ao seu ciclo de produção sempre que possível — como aconteceu na decoração dos três restaurantes (fora os bares de apoio), não por acaso batizados de Alambique (à la carte), Engenho (buffet) e Trapiche (saladas e snacks). A carga dramática, uma outra caraterística cénica da designer, está muito presente no lobby, onde uma escadaria teatral dominia o imenso pé alto.
Nos quartos (181 distribuídos por três categorias) e nos apartamentos (62), a decoradora não deixou cair a temática, mas são referências e apontamentos mais subtis, como as imagens macro das canas sacarinas que fazem as vezes de espaldares nas camas. Privilegiou-se o desafogo e o conforto, que passa igualmente por incluir sempre varandas e, na maioria dos casos pelo menos, vista mar.
Entre as mordomias disponíveis, e que valem bem trocar alguns passeios por umas horas a mais no hotel, estão as piscinas e o spa. Piscinas são três, todas exteriores (duas para adultos e uma para crianças), mas a que enche mais as medidas, em tamanho e em potencial, fica no terraço superior. Mais uma vez imperam os tons térreos, em sintonia com a montanha, mas a fusão com a paisagem aumenta à medida que adentramos na água — se for ao pôr do Sol, tanto melhor. A borda infinita ajuda a criar a ilusão de que, por momentos, piscina e mar se fundem num só.
Já o spa, como tudo o resto nesta propriedade, não regateia espaço e possui uma área invejável para desfrutar de diversos tratamentos e de zonas de relaxe — há, inclusive, mais uma outra piscina, só que esta interior. Duches sensoriais com cromoterapia ou pedras de sal aquecidas para nos ajudar a respirar melhor estão entre os serviços menos usuais e são gratuitos para quem está hospedado nos quartos premium e suites (os outros hóspedes têm acesso ao spa desde que marquem um tratamento).
E é assim que um nome, e um projeto, que primeiro se estranha, aos poucos se entranha no roteiro de boa vida da ilha.
Por João Miguel Simões, texto e foto (follow me on Instagram @jmigsimoes)
Saccharum Hotel Resort & Spa [saccharumhotel.com] | Portugal, Rua Serra de Água, 1, Arco da Calheta, Madeira. A partir de 180 euros por noite em quarto duplo com pequeno-almoço
Comentários