Na manhã de domingo entrava no autocarro com um certo orgulho por ter escolhido aquele dia para visitar Mourão, uma vila alentejana bem próxima da fronteira com Espanha. “Hoje as temperaturas chegam aos 33 graus, se viesse amanhã já seriam 37”, dizia para mim, enquanto desvalorizava o calor que iria apanhar nos mais de 10 km que tinha planeado percorrer a pé.
Arrisco-me a dizer que esta foi uma das melhores viagens que fiz, mas ao mesmo tempo uma das mais solitárias. Tinha conhecido na véspera uma Évora cheia de pessoas, com quem tive oportunidade de interagir. Agora estava num autocarro quase vazio, que se resumiu a apenas seis passageiros quando saímos da paragem de Reguengos de Monsaraz em direção a Mourão.
Entretanto cheguei ao meu destino. A vila estava deserta, mas ouvia um coro. Tentei seguir o som, parecendo-me sempre que vinha da casa por onde passava naquele momento. Acabei por fazer o caminho até ao castelo. O coro conduz-me até à Igreja Nossa Senhora das Candeias (integrada no Castelo), na qual vejo entrar o reduzido número de habitantes de Mourão, que parece ignorar a beleza da sua arquitetura de estilo barroco. Passo a igreja e subo as muralhas do castelo que na crise dinástica de 1383-1385 apoiaram o Mestre de Avis, evitando que Portugal ficasse sob o domínio dos espanhóis.
Faz-me confusão a ausência de massa humana naquele que para mim seria um dos pontos mais turísticos de Mourão. De uma das torres do castelo observo a vizinha vila medieval de Monsaraz, para onde vai a grande maioria dos turistas. No meu caminho cruza-se agora um senhor que para ao meu lado para trocar umas palavras sobre a beleza de todo aquele património, aconselhando-me no futuro a visitar Monsanto e Penha Garcia. A conversa fica por ali, acabando eu por descobrir que o meu interlocutor também vem de Lisboa, e Mourão volta ao silêncio a que se submetia antes desta pequena conversa de circunstância.
Mais à frente, já quando seguia em direção à Praia Fluvial de Mourão, voltei a ter uma interação que durou pouco mais de um minuto, deixando-me novamente regressar ao “meu mundo”. A praia estava também praticamente vazia e as poucas famílias que lá estavam fizeram-me crer que afinal até estava bem ali sozinho. Nem as águas quentes do Alqueva (a temperatura média é de 26 graus) impediam os casais de discutir entre si, passando as suas irritações para os filhos.
Quando fazia o caminho de regresso entre a praia e a Praça da República, dei por mim a sorrir. Era sinal de que Mourão me estava a encher as medidas. Ainda agora, enquanto escrevo este texto, sinto o calor a tocar ao de leve na minha pele, o cheiro dos perfumes que vêm das janelas abertas e ainda oiço com nitidez as vozes do coro com que me deparei nessa manhã.
No entanto, faltava-me uma coisa: partilhar este sentimento de satisfação com alguém. Faço-o agora enquanto escrevo, fi-lo quando corri em direção ao painel que estava junto do Posto de Turismo e cliquei para tirar uma fotografia em 3, 2, 1… para de seguida a fazer chegar ao meu pai e ainda o fiz com aquele que se tornou melhor amigo por me ter salvo do calor: o chafariz. E aqui, todos eles, desde o do Largo Gouveia Furtado de Mendonça ao do Jardim Público, passando pelo da Praia Fluvial e até pelo do jardim em frente à creche, cuja água, para além de quente, fazia um trajeto irregular, foram melhores amigos.
O Miguel estuda jornalismo, pratica esgrima e nos tempos livres escreve sobre as viagens que faz no seu blog, Ponto de Fuga, onde uma versão deste artigo foi originalmente publicada.
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