Reportagem Rodrigo Almonacid / Fotos Nelson Almeida - AFP
A obra deste ex-jardineiro e pedreiro, de 67 anos, construída ao longo de quatro décadas naquela que foi sua casa, destaca-se numa rua íngreme, chamando a atenção com os azulejos coloridos e quebrados, pratos de cerâmica e pedras castanhas instaladas na fachada.
O "Castelinho", como é chamado na região, tornou-se uma atração turística nesta comunidade pela semelhança com o Parc Güell, uma das criações emblemáticas do arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926) em Barcelona.
Mas este homem de bigode grisalho e fala pausada, nascido em Santo Estevão, na Bahia, não sabia quem era o génio espanhol quando começou a sua criação.
"Eu fiz parecido com o trabalho do Gaudí, sem copiar, não copiei nada. Eu faço o que vem na minha cabeça", diz à AFP. "Não estudei nada. E, então, fazer uma obra de arte dessa para ser conhecida mundialmente. Me sinto mesmo reverenciado (...) Hoje, me sinto um artista".
Viagem a Barcelona
A semelhança do "Castelinho" com os desenhos de Gaudí foi descoberta por um estudante no início do século.
O cineasta brasileiro Sergio Oksman interessou-se pela história e gravou o documentário "Gaudí na favela" (2002), pelo qual Silva viajou em 2001 a Barcelona para conhecer a obra do famoso arquiteto.
Após a publicação do filme, o castelo tornou-se um local de visita para moradores e estrangeiros em Paraisópolis, que tem mais de 100.000 habitantes. A entrada custa 30 reais.
"Achei incrível. À primeira vista, vindo lá de fora, como um espaço tão pequeno foi crescendo, crescendo, crescendo. E tanta coisa, se parar para olhar, num buraquinho tem muita informação, muitos objetos. É super incrível, super interessante", opina Celly Monteiro Mendes, uma visitante de Manaus.
De uma sala com ares de caverna, essa pianista de 24 anos observa, admirada, os detalhes presentes em cada canto da fortaleza de Estevão, erguida num terreno de sessenta metros quadrados e quatro andares, com passagens quase labirínticas e tetos baixos construídos a partir de conhecimentos empíricos.
O "Gaudí brasileiro" chegou a São Paulo em 1977 em busca de um futuro melhor. Desde então, trabalhou em jardinagem, construção e vigilância. Em 1985, comprou o terreno onde está o castelo, também conhecido como a Casa de Pedra, e deu asas à imaginação.
"Eu queria ter um jardim, queria fazer algo diferente. Quando eu fiz aqui, eu não pensei que ia virar uma obra de arte conhecida mundialmente, como parece com a obra do Gaudí, senão eu tinha feito mais alto. Eu fiz para usar. E aí virou um ponto turístico”, explica.
Paisagem desigual
No começo, Estevão plantou um roseiral e construiu uma estrutura de ferro para sustentá-lo, mas as plantas cresciam muito rápido e deixavam muitas folhas para serem recolhidas.
Optou, então, por arrancar o mato e cobrir o ferro com concreto. Adicionou pedras na superfície, para "refrescar o ambiente", e um prato quebrado que tinha à mão. Os objetos partidos ou de segunda mão tornaram-se a sua marca registada.
Um sem-fim de azulejos, conchas, berlindes, garrafas e moedas dão relevo às paredes interiores, decoradas com brinquedos de plástico, carrinhos de metal, canecas, bandejas, animais de lata, carcaças de telemóveis e telefones velhos comprados em bazares ou doados por visitantes.
À medida que se sobe as escadas estreitas, aparecem plantas e ouvem-se pássaros. A vista do telhado revela a desigualdade de São Paulo: a favela em primeiro plano; um pouco mais longe, os imponentes prédios brancos do Morumbi.
"Eu tenho 39 anos fazendo isso aqui. Já deixei meio suor aqui, trabalhando. Então, tem que dizer que é a obra da minha vida. Porque não foi fácil fazer isso aqui", afirma Silva, agora reformado.
"Se eu vou terminar antes de morrer, não sei. Só Deus sabe", diz, antes de explicar que ainda falta terminar o terraço.
Caso contrário, a sua obra ficará inacabada, assim como a basílica da Sagrada Família de Gaudí, em Barcelona, em construção há mais de 140 anos.
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