Por Carina Barcelos/LUSA

Sete investigadores nacionais e estrangeiros iniciaram a sua "viagem" de sete dias até à Lua sem sair da Terra, na primeira missão de simulação de ambiente lunar realizada em Portugal, que arrancou na passada quarta-feira, na Gruta do Natal, na ilha Terceira, nos Açores.

“É uma equipa incrível e foi uma viagem fantástica para conseguirmos 'voar até à Lua, alunarmos' e finalmente estarmos aqui durante uma semana. E vamos lá ver se chegamos todos em segurança à Terra”, avançava, em declarações à Lusa e à Antena 1 recolhidas previamente, a comandante da missão Camões e investigadora do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores Tecnologia e Ciência - INESC TEC, Ana Pires.

Antes do início da missão na gruta, que passa por baixo da Lagoa do Negro, no interior da ilha Terceira, Ana Pires explicou como seria criado um ambiente lunar para acolher a missão, que decorre até amanhã, 28 de novembro, e implica o encerramento da gruta ao público.

Dois geocientistas, um geofísico, uma astrobióloga, um explorador, uma especialista em fatores humanos e clima e um psicólogo vão dividir-se por três estações, onde serão montadas tendas.

Missão CAMões
Interior da Gruta do Natal, onde está a decorrer, até dia 28, a missão créditos: LUSA/António Araújo

Durante sete dias estarão isolados na gruta e só subirão à receção para refeições, higiene e um acesso breve à internet.

Com a colaboração de outros 10 investigadores, vão realizar 14 experiências, com recurso a drones, sensores e outras tecnologias, na esperança de recolher dados que possam partilhar com a comunidade científica internacional.

“Vamos passar aqui 24 horas por dia. Portanto, vamos ter imenso tempo para descobrirmos muitas coisas. Estamos ansiosos por perceber que histórias é que esta gruta tem para nos contar”, adianta a comandante da missão.

Mais do que estudar a gruta, a missão pretende comprovar se é possível viver dentro de uma estrutura com características que se assemelham a um ambiente lunar.

“Vamos, no fundo, tentar perceber se de facto um verdadeiro astronauta conseguiria viver neste tipo de ambiente e qual é o resultado final que poderá servir para dar pistas um dia para as verdadeiras missões. O que é que uma estrutura geológica deste tipo precisa para que um astronauta consiga viver aqui”, explica Ana Pires.

Os geocientistas, por exemplo, vão tentar descobrir o que poderá estar por detrás das paredes da gruta, recorrendo à tecnologia ótica de deteção remota Lidar enquanto a astrobióloga vai recolher amostras de organismos vivos.

Yvette González, diretora executiva da missão e investigadora Universidade de Plymouth, nos Estados Unidos, vai estudar os fatores humanos e a empatia ambiental.

“Enquanto humanos, acreditamos que vivemos em reciprocidade com a Terra? E o que é que isso quer dizer para viver na Lua ou em outro planeta? Será que olhamos à volta e ainda nos sentimos ligados a este tipo de natureza? Lá fora olhamos para uma árvore, para um pássaro, mas aqui será que olhamos para a gruta e nos sentimos ligados para a protegermos, para viver aqui a longo prazo?”, questiona.

Missão CAMões
Ana Pires, astronauta análoga e comandante do projeto CAMões créditos: LUSA/António Araújo

Uma das vertentes que a investigadora vai estudar é até que ponto a sensação de tomar um duche pode manter o "astronauta" mais confortável e contribuir para a sua saúde mental.

Yvette encontrou na Internet um equipamento inovador, desenvolvido na Austrália, que permite tomar duche sem eletricidade. Um dos criadores era português e ao descobrir que a missão seria nos Açores ofereceu os chuveiros portáveis.

A equipa levou também para a Gruta do Natal um equipamento desenvolvido no Japão, utilizado por astronautas, para fazer exercício físico num espaço confinado.

Os fatos que serão utilizados, uma mistura entre um fato de espeleologia e um fato de voo, foram criados especialmente para a missão pela empresa da engenheira aeroespacial norte-americana Sabrina Thompson. Por baixo, vão usar roupa interior e t-shirts, com têxteis inteligentes, desenvolvidos pela investigadora portuguesa Filipa Fernandes.

Ao todo, contando com a missão de controlo e com a equipa médica, que acompanham a missão no exterior, o projeto Camões deverá envolver cerca de 30 pessoas. O núcleo duro é composto por 11 pessoas de cinco países, que falam oito línguas.

No apoio à missão, que contou com apoios públicos regionais, estarão a associação Os Montanheiros, que gere a Gruta do Natal, mas também a Proteção Civil dos Açores e a Cruz Vermelha.

“Eu sinto que estamos todos a contribuir para esta missão e sinto que a comunidade da ilha Terceira se juntou para que tenhamos sucesso”, sublinha Ana Pires.