"Fizemos as nossas próprias lanças a partir de paus e viemos a correr para ver o que estava a acontecer", relata uma das integrantes da guarda indígena Yuturi Warmi durante o ritual chamado "wayusa upina", celebrado durante a madrugada na comunidade de Serena, na província de Napo (norte).
Acompanhada por outras mulheres, reunidas para interpretar sonhos como parte da cerimónia, conta que há 18 meses os exploradores ilegais chegaram a oferecer dinheiro ao então líder da comunidade em troca de autorização para explorar as suas terras.
"Só mortos é que vamos deixar as empresas de mineração entrar" ou os ilegais, afirmou a mulher a jornalistas, pedindo para preservar a sua identidade por questões de segurança.
Apesar de Serena ter resistido à mineração, rio abaixo a história é outra. A Defensoria do Povo de Napo já identificou mais de 30 frentes de exploração nas margens do Jatunyacu, local também de turismo de aventura devido às correntes rápidas e paisagens.
Ao longo de 21 quilómetros do rio, vários clarões interrompem a densa vegetação, enquanto as escavadoras continuam a devastar.
À espera da decisão da Corte Constitucional sobre uma ação extraordinária com a qual os indígenas pretendem conter a mineração na província, reverter as concessões e diminuir o desmatamento, a exploração de ouro continua a espantar os turistas.
O ruído da maquinaria e da destruição são um pesadelo para os habitantes de Shandia, uma pequena comunidade que vive do turismo.
"Ninguém mais quer pagar dois ou três dólares para ver um cemitério de mineração ilegal", explica Andrés Rojas, delegado provincial da Defensoria do Povo.
"O som é horrível, a terra treme, à noite é pior (...) Tememos quando os turistas vêm porque ao ouvirem isto não vão querer voltar", comenta à AFP Graciela Grefa, artesã de 64 anos.
Batalha legal
A devastação agravou-se em 2020. "A mineração em Napo ocorre há 25 ou 30 anos, mas saber que uma só empresa tinha 7.125 hectares assustou a comunidade", disse Rojas.
As terras que rodeiam Jatunyacu, na maioria, foram concedidas à empresa de capital chinês Terraearth, alvo de uma ação judicial que chegou à Corte Constitucional. A Defensoria e organizações sociais acusam a companhia de contaminar três rios e de se esquivar da consulta prévia às comunidades indígenas.
Os habitantes de Napo enfrentam ainda máfias de mineração ilegal, às quais denunciam serem aliadas da empresa e subornarem as comunidades para explorarem as terras.
Terraearth apresenta-se nas redes sociais como uma empresa "responsável com o meio ambiente" e que "contribui com o reflorestamento das áreas devastadas pelos ilegais".
Yutzupino foi foco da exploração irregular em Napo. Até dezembro de 2022, havia 125 hectares ocupados para extração de ouro, o que equivale a 88 campos de futebol, segundo a Fundação Ecociência que realiza uma monitorização por satélite da Amazónia.
A área continuou crescente até que, em fevereiro de 2023, uma operação policial apreendeu 148 escavadoras numa área de 180 hectares.
Sebastián Araujo, académico de Geociências da Universidade Regional Ikiam, explica que os níveis de cobre, chumbo e cromo, "altamente contaminantes", "estão num limite muito superior aos permitidos" em Yutzupino devido à mineração ilegal.
"Cemitério" mineral
Numa região de pouca presença estatal e muita pobreza, os moradores locais pagam um dólar para acessar as zonas de exploração e raspar um pouco de ouro, que lavam as panelas, uma atividade sem impacto ambiental que realizam há décadas.
"Eles entravam nestas crateras abertas pelas escavadoras para garimpar as migalhas deixadas pela perfuração", explica Rojas.
Alba Aguinaga, socióloga da Ikiam, indicam que após a incursão dos exploradores ilegais, os artesãos ficaram com o estigma de supostamente apoiar estas mafias.
"Se não têm trabalho, se têm condições financeiras difíceis, não sobram muitas opções do que sucumbir a uma baixa remuneração em troca de mão de obra ilegal", afirma.
Para além disto, "não há uma política pública que responda à sobrevivência" das comunidades e dos garimpeiros artesanais, acrescenta Aguinaga.
"A capacidade de reação operacional do Estado é insuficiente frente à organização dos exploradores ilegais", lamenta Rojas.
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