Pelo menos até janeiro próximo, os diferentes caminhos que nos conduzem ao Porto monumental confluem todos numa mesma direção: o n.º 44 da Rua de Passos Manuel. Morada não só do centenário Ateneu Comercial do Porto (ACP), mas também, por quase dois meses, da Estação de São Bento, da Torre dos Clérigos, do Palácio da Bolsa, da Feitoria Inglesa, da Ribeira e das pontes, e igualmente, dos Paços de Concelho, da Livraria Lello, do Café Majestic, do Marégrafo da Foz do Douro e até dos pitorescos Sanitários do Passeio Alegre.
“O Porto em miniaturas”, em exibição no Ateneu a partir de 12 de dezembro (a inauguração do dia 10 é só para convidados), apresenta naquela que é uma das instituições mais conhecidas da cidade 17 dos seus conjuntos monumentais mais emblemáticos. Vistos pelo olhar criativo e pela minúcia manual de um só homem, Licínio Sousa. Que depois de se ter feito ourives joalheiro ao longo de uma vida, escolheu as duas décadas finais dela para espelhar dedicação a uma outra arte e à sua terra.
A metrópole que foi este ano eleita como Melhor Destino de Cidade do Mundo nos World Travel Awards é, na visão do mestre Licínio, um sítio também feito de memórias. Como se pode constatar na forma como replicou com assinalável rigor, recorrendo a fotografias antigas, o antigo edifício do Palácio de Cristal, desaparecido em 1951.
“Um vizinho carpinteiro cedia-lhe as madeiras de que precisava – teca, faia, mogno… –, um outro amigo ajudava-o a resolver alguns imbróglios mecânicos ou elétricos, a mulher e o filho asseguravam as pinturas. E ao cabo de meses e meses de trabalho as peças iam tomando forma. Na sua casa foi construindo um pequeno museu que fazia as maravilhas de todos quantos o visitavam”, recorda Manuel de Sousa, historiador, especialista na(s) história(s) do Porto.
São algumas destas peças que agora se expõem ao público. Graças ao filho do autor, que transporta igualmente o nome e o legado do progenitor.
Licínio Sousa, que começou o hobby pela sua Foz natal e depressa passou para os principais monumentos portuenses, não se ficou pela mera reprodução do aspeto exterior dos edifícios. “Em muitos casos, as maquetes incluem curiosíssimos pormenores interiores – a escadaria da Livraria Lello, a Sala da Sessões da Câmara do Porto, o hall da Estação de São Bento ou o Salão Árabe do Palácio da Bolsa –, dotados de iluminação e, por vezes, até animados mecanicamente”, nota Manuel de Sousa, que será cicerone nalgumas visitas guiadas nesta exposição do Ateneu Comercial do Porto.
Licínio Rocha de Sousa nasceu na Foz do Douro em 1934. Foi o terceiro de quatro filhos de um ourives e de uma dona de casa. Numa época difícil, salienta Manuel de Sousa, cedo seguiu os passos do pai e ingressou como aprendiz numa ourivesaria da Baixa do Porto. Rapidamente singrou na profissão, demonstrando uma destreza raras, que o transformou em ourives joalheiro.
“Este homem, cujo grau académico era apenas a quarta classe, aos 15 anos de idade já era oficial de primeira ordem na arte da ourivesaria. E aos setenta começou a construir miniaturas de edifícios históricos do Porto, deixando-nos um património rico na arte do bem trabalhar. Além das ferramentas que utilizava nas oficinas de ourivesaria, o Licínio teve de comprar e aprender a utilizar ferramentas com as quais construiu as peças que vão ter oportunidade de apreciar. São miniaturas feitas com carinho, arte e paciência, autênticos puzzles que demoravam muitos meses de longo e árduo trabalho”, evoca Inácio Sousa, seu amigo de longa data.
Licínio, pai, já não se encontra entre nós, mas, enfatiza o amigo Inácio, “de certeza que muito gostaria de apresentar as peças que construiu e que adorava”. E seguramente muitos de nós de o ouvir. Na falta, fica o espólio. E as memórias.
Os bilhetes da exposição no Ateneu Comercial do Porto, que pode ser vista de segunda-feira a sábado, das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 18h00, têm o preço de 5€ e podem ser adquiridos online, no website da instituição.
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