O novo navio da frota mercante portuguesa, encomendado pela Empresa Insulana de Navegação (EIN) a um estaleiro dinamarquês, irrompia, assim, na enseada do Funchal, rasgando águas atlânticas, naquela que foi a sua primeira escala na carreira entre Lisboa e as então denominadas ilhas adjacentes, Madeira e Açores.
Lançado à água na Dinamarca a 10 de fevereiro de 1961, o navio só teve viagem inaugural nove meses depois, com partida do porto de Lisboa a 4 de novembro, com 206 passageiros, escalando o Funchal, Ponta Delgada e Angra do Heroísmo. No Funchal, recolheu mais 113 viajantes.
No dia da chegada ao território madeirense, o Diário de Notícias da região estampava "O ‘Funchal’ na sua primeira viagem chega hoje ao nosso porto" e o Jornal da Madeira anunciava “’Funchal’ - nova cidade transatlântica visita hoje a Madeira".
O navio tinha casco preto, superestrutura branca e chaminé amarela rematada por uma lista preta.
"Lembro-me desse dia", recorda Rui Camacho, que se tornou passageiro frequente na ligação com São Miguel, ilha onde o pai geria a Fábrica de Tabacos Estrela e para onde se dirigia todas as férias de verão, até 1972.
"Encontrava-me na cidade, pois a hora da chegada tinha sido anunciada pelos jornais e milhares de pessoas fixavam, então, o olhar para a zona do Garajau, à espera que o ‘Funchal’ aparecesse", relata, em declarações à agência Lusa.
Rui Camacho narra que o navio "vinha todo embandeirado” e “quando apareceu foi um sucesso, aclamado pelas pessoas e saudado pelas embarcações que apitavam”.
O Diário de Notícias da Madeira indicava, então, que os administradores da EIN, o ministro das Obras Públicas do Governo de Oliveira Salazar, Eduardo de Arantes e Oliveira, que viajava no navio, e as autoridades regionais estiveram presentes na inauguração, que terminou com "um beberete realizado no salão de jantar da ‘Turística A’”.
Inauguração num período conturbado
A inauguração foi simples e contida. Na edição do dia anterior o matutino indicava mesmo que, devido ao “momento nacional” criado pela eclosão da guerra colonial em Angola e pela anexação de Dadrá e Nagar Haveli pela União Indiana (territórios que desde 1779 faziam parte do Estado Português da Índia), não se realizaria a bordo “qualquer ato festivo em comemoração da viagem inaugural".
Já sobre a chegada, o Jornal da Madeira publicava uma "Nota do Dia" apontando que o navio faria “ligações marítimas regulares e semanais com a Mãe Pátria”.
Para Rui Camacho, a embarcação revolucionou a linha, pois em 24 horas estava no destino, enquanto outros levavam três dias.
"Foi maravilhoso", afirma, acrescentando que era "um navio com muita qualidade, muita comodidade, e oferecia muitas atividades lúdicas e um serviço de refeições que incluía pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e ceia e, já na altura, dispunha de um espaço para as crianças".
Rui Camacho recorda ainda a folia e a animação quando viajavam os universitários, sobretudo os estudantes de Coimbra.
Contudo, com a concorrência do transporte aéreo, o navio "Funchal" - que em 1972 transportou os restos mortais de D. Pedro IV de Portugal para o Brasil, numa viagem que contou com o então Presidente da República, Almirante Américo Thomaz – perdeu importância e, em 1972, foi remodelado para servir viagens turísticas internacionais.
Futuro incerto
Volvidos 55 anos, o único paquete português encontra-se imobilizado, desde fevereiro de 2015, no cais da Matinha, no Tejo, na sequência de várias deficiências técnicas que o retiveram na Suécia, em Gotemburgo, por ordem das autoridades marítimas suecas.
O último cruzeiro do "Funchal" foi realizado na passagem de ano 2014/2015, com escalas no Funchal e no Porto Santo.
Em 2015, foi proferida a sentença de declaração de insolvência da Pearl Cruises - Transportes Marítimos Unipessoal, última empresa proprietária do navio, por dívidas.
"Podem fazer um museu ou um hotel flutuante, como acontece em vários navios emblemáticos por esse mundo fora", sugere Rui Camacho, sócio do Clube de Entusiastas de Navios e que tem fobia em viajar de avião.
O administrador judicial da Pearl Cruises referiu à Lusa que "o navio ainda se encontra em processo de insolvência" e que "está à procura de comprador que satisfaça aquilo que se pretende".
"Não está acordada a venda com ninguém, o barco está no mercado internacional, tanto pode ir para o estrangeiro como pode ficar em Portugal. Tudo é possível neste momento", admitiu, afirmando que "o abate está fora de causa".
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