Elevados gases do efeito estufa, microplásticos omnipresentes, produtos químicos "eternos" disseminados, a perturbação global dos animais, até mesmo telemóveis velhos e ossos de frango - todos foram apresentados como evidências de que o mundo entrou no Antropocénico, a era dos humanos, durante o século XX.

Jan Zalasiewicz, um geólogo britânico que presidiu o Grupo de Trabalho do Antropocénico durante mais de uma década, pausou por um momento quando questionado se existia algum lugar na Terra sem sinais de influência humana.

"É difícil pensar num lugar mais remoto" do que o glaciar de Pine Island na Antártida, disse Zalasiewicz à AFP.

No entanto, quando cientistas perfuraram profundamente abaixo do gelo do glaciar há alguns anos, encontraram vestígios de plutônio.

Era uma radiação remanescente dos testes de armas nucleares que começaram em 1945, deixando para trás uma presença radioativa sem precedentes.

Zalasiewicz afirmou que estes radionuclídeos representam talvez "o sinal mais nítido" para marcar o início do Antropocénico 70 anos atrás.

Mas "há uma quantidade enorme [de sinais] para escolher", acrescentou.

Na terça-feira, o Grupo de Trabalho do Antropocénico vai anunciar o ponto-chave desta época, o local que representa de forma mais clara as muitas maneiras pelas quais os humanos mudaram o mundo.

O anúncio, porém, ainda não tornará o Antropocénico uma unidade de tempo geológica oficial, pois geólogos de todo o mundo continuam a analisar as evidências.

O peso da humanidade

Outra grande característica do Antropocénico provavelmente não será surpresa: o rápido aumento do dióxido de carbono e de outros gases do efeito estufa que estão a aquecer o planeta.

Muitas coisas mudaram "quando os seres humanos desenvolveram a tecnologia para extrair do solo 'luz solar fossilizada' - na forma de petróleo, carvão e gás", disse Zalasiewicz.

Os seres humanos consumiram mais energia desde 1950 do que nos 11.700 anos anteriores correspondentes ao Holocénico, apontaram investigadores do Antropocénico.

Esta nova energia foi usada para dominar o mundo de uma maneira anteriormente impossível. Tanto a terra como os animais foram utilizados para alimentar a explosão populacional humana.

Humanos e os animais de criação representam 96% da biomassa de todos os mamíferos terrestres do planeta, enquanto os mamíferos selvagens são apenas 4%, estimaram estudos em 2018.

Frangos de supermercado, criados pelos humanos para crescerem muito mais do que o normal, representam dois terços da biomassa de todas as aves, afirmou Zalasiewicz.

Os humanos também redistribuíram espécies pelo mundo, introduzindo espécies invasoras, como ratos, até mesmo em ilhas remotas do Pacífico.

Tecnofósseis e químicos eternos

Em 2020, cientistas estimaram que a massa de todos os objetos feitos pela humanidade agora excede o peso de todos os seres vivos do planeta.

Os investigadores do Antropocénico chamaram os objetos de "tecnofósseis".

Sucessivas gerações de telemóveis, que se tornam obsoletos tão rapidamente, são apenas um exemplo de tecnofóssil que "fará parte do registo do Antropocénico", explicou Zalasiewicz.

Pequenos pedaços de plástico chamados microplásticos têm sido encontrados nos picos mais altos da Terra e no fundo dos oceanos mais profundos.

Substâncias chamadas PFAS ou "produtos químicos eternos", criados para produtos como panelas antiaderentes, também estão a ser cada vez mais identificados em todo o mundo.

Pesticidas, fertilizantes, níveis crescentes de nitrogénio e fósforo, até mesmo os esqueletos enterrados das pessoas… A lista de possíveis marcadores do Antropocénico continua.

Segundo os cientistas, daqui a centenas de milhares de anos, todos estes marcadores serão claramente preservados, fornecendo aos nossos futuros ancestrais - ou a qualquer outro ser que se interesse - uma visão desta era humana.

Mas o que é que o futuro geólogo vai ver?

"Um dos sinais que se gostaria de ver do Antropocénico é a humanidade a responder de maneira positiva", afirmou o paleontólogo britânico Mark Williams, membro do Grupo de Trabalho do Antropocénico.

O registo fóssil ainda não mostra uma extinção em massa, mas uma está agora entre as possibilidades, disse à AFP. "Temos dois caminhos a partir daqui", acrescentou.

Então, há algum lugar restante na Terra que não tenha uma pegada humana?

Os cientistas concordaram que o único lugar provável seria algum lugar sob o gelo na Antártida.

Mas se nada mudar, as camadas de gelo serão gradualmente derretidas pelo aquecimento global, alertou Zalasiewicz.