Em mais de 100 quilómetros da costa da Normandia há resquícios do dia 6 de junho de 1944, incluindo bunkers, navios encalhados e outros vestígios dos primeiros passos das tropas aliadas na sua missão de libertar a Europa Ocidental da ocupação nazista.
Agora, o mar por onde cerca de 150 mil soldados dos exércitos aliados realizaram a maior invasão marítima da história ameaça esses mesmos sítios históricos.
O aumento do nível do mar está a erodir dunas e falésias, enquanto pântanos e aterros correm o risco de ficarem submersos em lugares que recebem milhões de visitantes por ano.
As famosas praias – com os cognomes de Utah, Omaha, Juno, Sword e Gold – invadidas pelas tropas de Estados Unidos, Reino Unido e outros países aliados mudaram drasticamente nos últimos 80 anos.
Alguns sítios históricos do Dia D "já não têm nenhuma semelhança com o que os soldados aliados viveram a 6 de junho de 1944", afirma Regis Leymarie, geógrafo do órgão de conservação do litoral da Normandia.
"Estamos no processo de mudança de sítios históricos para lugares em que é necessário interpretar a história", acrescentou. E as mudanças estão a acontecer rapidamente.
O aumento global das temperaturas está a acelerar o derretimento do gelo polar e a aumentar o nível dos oceanos, o que representa uma ameaça para as comunidades costeiras da Normandia.
"O ambiente será transformado em aproximadamente 10 anos", diz Leymarie.
'Não temos nenhuma ajuda'
Para algumas comunidades, essa mudança já está a acontecer. Em Graye-sur-Mer, uma vila ao longo da praia de Juno, o mar destruiu bunkers inteiros, deixando os moradores locais preocupados com a história que está a ser varrida pela maré.
Ainda assim, apenas algumas administrações municipais estão preparadas para entrar em ação. Das cerca de 15 que foram abordadas pela AFP nos últimos meses, menos de metade responderam. Outras três assinalaram que não seriam "afetadas" ou até mesmo "ameaçadas" no futuro próximo.
Porém, Charles de Vallavieille, o autarca de Sainte-Marie-du-Mont e diretor do Museu da Praia de Utah, não concorda com os seus pares. "[Existem] dificuldades. Não podemos negá-las", declara.
Em frente ao museu fundado pelo seu pai em 1962, De Vallavieille lembra-se de ter visto ex-soldados a regressar à Normandia. "Vi veteranos a acenar para o mar, a chorar... É a emoção da praia", contou.
Para ele, esses lugares deveriam ser protegidos, mas existem limitações às ações dos líderes locais. "Não temos o direito de fazer nada", frisou. "Não temos nenhuma ajuda, embora seja um problema que afete toda a costa. Se protegermos um lugar, a água irá para outro."
'A chegar ao fim'
Localizadas entre os locais de desembarque das tropas americanas e britânicas, as falésias de Bessin, que foram palco de um ousado ataque vertical por parte dos Rangers do Exército americano, também não têm sido poupadas.
Diversas baterias alemãs de artilharia estavam posicionadas nestes afloramentos rochosos de difícil acesso, que incluem o famoso Pointe du Hoc, visitado por cerca de 500 mil pessoas por ano.
Ao subirem a falésia de 25 metros em péssimas condições climáticas e sob fogo alemão, apenas 90 dos 225 soldados saíram ilesos.
Administrado pela Comissão Americana de Monumentos de Batalha (ABMC, na sigla em inglês), o sítio é bastante frágil e colapsou parcialmente em 2022.
A ABMC informou que tomou diversas medidas para "garantir a segurança da área", incluindo a instalação de paredes de concreto reforçado e sensores para detetar movimentações significativas no terreno. A agência também recuou os caminhos permitidos em 20 metros para garantir a segurança do público.
Para o geógrafo Regis Leymarie, a única coisa que resta é adaptar-se às mudanças que estão a ocorrer. Atualmente, o nível do mar está a crescer alguns milímetros por ano.
"Só depois de duas ou três gerações é que tomamos consciência disso", diz. "Estamos a chegar ao fim dos lugares de desembarque do Dia D como os conhecíamos". "E a natureza vai reivindicar o que lhe é de direito", sublinha.
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