Bilhete-postal enviado por Nuite

O não ter ideia de como será a ultima paragem desperta-nos os sentidos (estimula a potência energética que nos fez chegar aqui e que nos empurra ate mais a frente).

Alguém disse-me antes de partir que os nossos pensamentos são compostos por 80% de memórias e 20% de suposições. Aqui isso não existe, o pensamento está focado em tudo que nos entra pelos olhos, pelos ouvidos, pela pele, pela boca… (as saudades surgem quando queremos partilhar um instante, seja uma imagem, um som, um sabor algo assim único deste território novo para nos, então vêem-nos a lembrança todos aqueles que amamos - e como amamos).

Sacudimos a poeira, hoje o dia chegou novamente com aquele calor extremo que nos corta a respiração, chegou com o ar sufocante, cálido rotineiro destas paragens, é um ar que não chega aos pulmões, cada inspiração é um soco que descai até a meio do peito para aí estacionar.

Não sei se pela falta de ar, pelo Ramadão obrigatório que somos coagidas fazer, sinto uma enorme paz interior...

O Chebbi esta aqui! Este é o primeiro "erg" do Sahara oriental (logo o mais turístico também). Existem jipes carregados de pessoas e camelos igualmente cheios de ocidentais que vêm aqui em busca da fotografia perfeita, do ângulo certo, das férias exemplares para serem contadas na hora do almoço aos colegas entre uma garfada e um copo de vinho…

Contudo, Chebbi é muito mais do que caravanas de turistas de um lado para o outro entre dunas cansadas pela falta de sossego. O Chebbi que está agora aqui em mim, tem de ser sentido, apreciado (como tudo na vida). Temos que nos afastar da maquina ocidental em que estamos inseridos diariamente. E, se tal acontecer, se desligarmos a máquina, temos a possibilidade de parar e experimentar este deserto, estas dunas, estes silêncios, estes ventos, estas areias ondulantes no seu máximo expoente – libertas! E a minha liberdade faz parte deste processo de viver os lugares independentes… (quem sabe para o ano quando voltar consigo despregar-me de facto de ser turista e viver o Chebbi como ele merece - entregando-me totalmente de alma e coração).

Aqui, hoje não existe tempo nem estrelas (infelizmente), aqui vive somente o silêncio (inventado por mim) de uma noite escura sem lua e sem bússola.

Aqui existe o vento suave que nos toca o rosto, que nos atropela harmoniosamente como se fosse um mensageiro de Deus, é um vento aprazível, vivo e afectuoso. Percebo agora porque dizem que por estas bandas deverá ser a morada de Deus (tem bom gosto), entendo igualmente bem a expressão “no teu deserto”, pois eu estou realmente no total sentido da palavra no Teu deserto…

Aqui e já alguns dias começou o início do mundo e o fim das fronteiras conhecidas, aqui e somente aqui cumpro um sonho! Sonho este que nasceu, ganhou forma e estrutura quando vi uma fotografia de um miúdo com os pés na área, sentado numa cadeira com as mãos atrás da nuca e com um sorriso que me apanhou de imediato! Mais do que autocarros, boleias, barcos, aviões, foi esse miúdo que me trouxe aqui... as descrições que faz deste lugar abriam em mim horizontes a 180graus a sul.