Era demasiada folia para ser absorvida por apenas cinco sentidos. Demasiada luz, demasiada cor, música tão alta que fazia estremecer centenas de corpos a um ritmo diabólico. Cerveja a voar, comida a aterrar nas mesas. DJ's com o cabelo oxigenado chegavam em carros desportivos e empresários engalanados tentavam colecionar em seu redor o maior número possível de mulheres e de garrafas despejadas. Um hino à ostentação celebrado por dançarinas com vestidos dourados.
Toda esta pulsação passava por uma só artéria do bairro de Yapougon: a Rue Princesse. Uma fileira interminável de bares, discotecas, prostíbulos e restaurantes. A sua fama espalhou-se primeiro pelo país, depois pelo continente, chegou a França e aos Estados Unidos. Ao ponto de os marfinenses a passarem a tratar somente pelo nome próprio - “La Rue”, só, como se não houvesse mais nenhuma. Aqui havia uma língua franca, a de um estilo musical, o coupé décalé: “Surgiu nos bairros pobres de Abidjan como forma de esquecer as amarguras da guerra civil. Foi depois levado até às discotecas parisienses pela diáspora marfinense e imortalizado pelo futebolista Didier Drogba, que o dançava sempre que marcava um golo”, diz Adam, um jornalista francês radicado na Costa do Marfim. “É para nós uma mistura entre música de protesto e de festa total”, complementa o DJ Brico.
Em 2011, o governo decidiu demolir parte dos estabelecimentos da Rue Princesse por razões de salubridade. A “princesa” da noite perdeu o seu poder. Não obstante, há discotecas, como o L'Industrie, que resistiram para reivindicar a devoção nacional pela festa. “É verdade que perdemos clientes, mas os que aparecem são de maior qualidade. Continuamos com lotação esgotada e com música até ao nascer do sol”, diz o gerente Ryan. Prevalece o coupé décalé, mas alternado com noites de rumba e de zouglou.
A diversão noturna disseminou-se por outros bairros da cidade, uma das mais populosas de África, com quase cinco milhões de habitantes. Ali perto, no bairro Maroc, há bares com música ao vivo. No Plateau, discotecas para a elite. Em Cocody, destino de jovens trabalhadores e da classe média local, há bares de soul, reggae e ainda alguns dos melhores restaurantes: Lolo du Solferino, Abdoul ou Miss Zahui. São servidas iguarias como caranguejo na brasa, inhame frito, espetada de escargots ou choukouya (carne de borrego, vaca ou frango bem condimentada e grelhada), mas a grande atração é o prato nacional, o attiéké, uma pasta feita de mandioca que é servida com um delicioso guisado de peixe e mariscos frescos.
Abidjan também vive de dia. Banhada pela Lagoa de Ébrié e com o horizonte recortado pelos prédios altos do Plateau, o epicentro económico de um país que cresce exponencialmente após muitos anos de instabilidade (é o maior produtor mundial de cacau), é uma metrópole pujante habitada por gente que gosta de vestir-se bem e com as vias congestionadas por carros com inscrições religiosas nas traseiras: “é Deus que manda”, “é Deus que cria”, “é Deus que dá”.
O Hôtel Ivoire é um dos seus baluartes: construído em 1963, tornou-se célebre, com um cinema e uma pista de gelo no interior (o cinema ainda existe; a pista, não). Renovado em 2011, conserva alguma da decoração original, com relevos em madeira, pinturas de cores garridas e mobiliário da época. Rivaliza com “La Pyramide”, um edifício desenhado em 1970 pelo italiano Rinaldo Olivieri, que com o seu formato de pirâmide virou ícone do modernismo africano. Mais recente, de 1985, é a Catedral de São Paulo, de arquitetura ousada e vanguardista, que para além de templo maior da cidade e excelente miradouro sobre a Baía de Cocody, serviu de refúgio a mais de 1800 pessoas quando o conflito armado chegou a Abidjan, em 2011. “Não há na África Ocidental outra cidade com um património arquitetónico pós-independência tão vasto”, diz o jornalista Ali Bamba.
A cultura concentra-se no cubo de 600 metros quadrados que alberga a Galeria Cécile Fakhoury, um dos mais importantes centros de arte contemporânea da região. Ali estão obras de escultura, pintura e fotografia de alguns dos reputados mestres africanos. Até final de janeiro poderá ver a exposição de Ouattara Watts, um marfinense radicado nos EUA e bem conhecido nas galerias nova-iorquinas. A instituição vai abrir em 2019 um museu em Dakar, no Senegal, e um showroom em Paris. Depois, uma caminhada no Parque Nacional de Banco, nos subúrbios a norte, onde para além de uma abundante vegetação se avistam macacos, ginetas e serpentes.
Como a Costa do Marfim é um país pequeno, Abidjan pode funcionar como um bom ponto de partida para visitar outros locais. A 50 quilómteros, na costa, encontra-se Grand-Bassam, Património da Humanidade pela sua arquitetura colonial. Se é verdade que alguns dos prédios precisam urgentemente de restauração, o mesmo não se aplica às suas praias tropicais, onde estendemos a toalha à sombra de uma palmeira para uma pausa da vida citadina.
Mais a norte, a 200 quilómetros, em Yamoussoukro, capital administrativa do país, vivemos uma experiência inigualável: visitar a maior igreja do mundo sem qualquer outro turista. No meio da floresta, sobre mangueiras e bananeiras, ergue-se a grandiosa cúpula da Basílica de Nossa Senhora da Paz. Para quem chega a Yamoussoukro, a imagem daquele gigante de mármore numa paisagem tropical é tão deslocada e surpreendente como avistar um elefante nas vielas de Veneza. A maior igreja cristã do mundo, plantada no coração da Costa do Marfim numa pequena cidade com 200 mil habitantes. Tem uma nave com capacidade para 18 mil acólitos e 158 metros de altura, mais sete do que a Basílica de São Pedro, em Roma, da qual copiou o estilo. É tão venerada que, durante a guerra, foi feito um cordão especial de segurança para protegê-la das bombas.
Pode voar para Abidjan com a TAP a partir de Lisboa.
Texto: Tiago Carrasco
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