"Os turistas vão para os hotéis, apanham sol, praia, bom mar, mas há outra realidade que precisam de ver. Por isso, como guia, foco-me na zona turística, mas também me foco na realidade e gosto de tirar os turistas dos hotéis para conhecerem a realidade", disse Lamine Fati à agência Lusa.

O jovem guineense, que chegou aos 16 anos à cidade da Praia, onde se formou na Escola de Hotelaria e Turismo, fala numa rua do bairro da Boa Esperança, um dos maiores aglomerados de habitação clandestina do país, em frente à Associação Comunitária da Boavista (ACUB), que fundou e à qual preside.

A viver há oito anos na Boavista, morou durante algum tempo no bairro, onde desenvolveu vários projetos de apoio a crianças e jovens.

Hoje, apesar de ter saído da Boa Esperança, é por lá que continua a passar grande parte do dia, ora fazendo trabalho na associação, ora passeando pelo labirinto de terra batida que são as ruas do bairro acompanhado de turistas, muitos portugueses.

É desta interação com os turistas que surgem também muitos dos apoios para a associação, onde funciona um infantário que acolhe atualmente 150 crianças carenciadas, muito pouco para as necessidades de uma comunidade de entre nove e dez mil pessoas.

O infantário, que é apadrinhado por um dos empreendimentos turísticos da ilha, conta com apoio de várias empresas e pessoas individuais portuguesas e recebe anualmente voluntários de Portugal por breves períodos.

Lamine quer também que os turistas percebam como é que vivem os trabalhadores que os servem nos hotéis, num bairro sem rede de água, luz ou esgotos e onde quando chove as ruas se transformam em verdadeiros lagos.

"O bairro da Boa Esperança é uma comunidade com nove mil a dez mil pessoas. A mão de obra da ilha da Boavista está toda aqui. Esta realidade não aparece nas fotografias", disse.

Paralelamente, Lamine é ativista social e aquele para quem todos se viram à procura de respostas para os muitos problemas do bairro, cuja requalificação está em projeto e para a qual o Governo já aprovou verba.

"As obras estão no papel, em teoria. Já participei em vários encontros sobre o futuro do bairro, estamos à espera de quando vai começar esse futuro", disse, mostrando-se preocupado com a forma como será feito o realojamento dos moradores da zona do bairro que se prevê venha a ser demolida.

Lamine Fati assegura que as pessoas estão cansadas da espera e teme que o processo de realojamento provoque uma escalada de tensão com as populações.

O ativista teme também que, se o realojamento não acontecer antes da próxima época das chuvas, os habitantes do bairro que vivem em piores condições possam ocupar os prédios acabados e por habitar do programa "Casa para Todos", a poucos metros da Boa Esperança.

"Passaram dois anos e não aconteceu nada. Vai chegar mais uma época das chuvas e as pessoas não vão aguentar viver numa situação péssima, em que as casas ficam inundadas. Se as casas continuarem fechadas, já ouvi rumores, sobretudo dos jovens, que vão invadir", disse.

Mas, para Lamine Fati, nem tudo é mau no bairro da Boa Esperança. O responsável sustenta que a questão da segurança melhorou bastante nos últimos tempos e que a sua preocupação com os jovens do bairro se centra agora mais em questões como a saúde reprodutiva e o consumo de álcool.

"Temos jovens de 14 ou 15 anos a beber à vontade e há vários casos de adolescentes grávidas. Essas são as maiores preocupações que tenho", disse, adiantando que o ideal seria ter um médico ou um enfermeiro para ir regularmente ao bairro.

Lamine sublinha a grande participação dos moradores nas feiras de saúde realizadas na Boa Esperança, mas assinala a falta de disponibilidade para irem até ao centro de saúde por causa dos horários de trabalho.

As crianças são outra preocupação de Lamine Fati, uma vez que os dois infantários existentes na comunidade não conseguem responder a todos os pedidos e muitos menores continuam pelas ruas, deixados à própria sorte enquanto os pais trabalham.

A associação, que assegura refeições quentes às crianças dos dois infantários, depende sobretudo do apoio de empresas estrangeiras que operam na área do turismo na Boavista, mas também de empresas portuguesas, como uma indústria de têxteis do Porto, que regularmente fornece vários apoios.

"Temos também portugueses individuais. Trago-os aqui ao bairro, eles vão com o coração aberto e depois ajudam", disse.

Os próximos projetos são a criação de uma sala de informática para os jovens do bairro, contando para isso já com o apoio de empresas do Porto e Braga que vão doar os computadores, e uma escolinha de futebol para tirar mais crianças da rua.

Fonte: Lusa