Bilhete-postal enviado por Inês Pinto Teixeira

Num dia ensolarado de Junho, entrei num star gate. Quando dei por mim estava vestida com um sumptuoso vestido típico veneziano do séc. XVIII, parada numa das varandas floridas do Palácio dos Doges, no centro de Veneza. Meu pai, mercador próspero que negociava sedas do Oriente para a Europa, depressa enriqueceu. Comprou alguns dos palácios mais fantásticos de Veneza, o Palazzo Ducale e Palazzo Doges.

Como menina rica frequentava as festas mais famosas, comprava nas lojas mais caras da Praça de San Marco. Depois ao domingo, pedia perdão a Deus por me esquecer dos pobres na grandiosidade da Basílica de San Giorgio Maggiore.

Esta era a vida tranquila e despreocupada no esplendor da República Sereníssima de Veneza.

Uma das vezes que me desloquei a Murano, para adquirir um belo candeeiro para o salão de festas, conheci um operário por quem me apaixonei perdidamente. Passei a sair sorrateiramente durante a noite, colocando uma das magníficas máscaras que usávamos no Carnaval. Eu usando a máscara de Bauta, que encobria a minha identidade, o meu status social. Dava-me liberdade para interagir com o meu amante, fora dos limites da identidade e da convenção social. Havia tanta excitação nesses encontros ilícitos, apenas ele sabia quem era eu. Ele mascarado de Arlequim, tal qual um verdadeiro “innamorato”.

Logo que nos encontrávamos, metia-me com o meu amante numa gôndola e deslocávamos-nos em longos e românticos passeios ao logo de todo o Gran Canal. Atravessávamos a ponte do Rialto e a ponte dos Suspiros, trocando carícias de amor à luz da lúgubre vela que refletida nas águas ia iluminando o caminho. Ao longe ouvíamos as belas melodias dos gondoleiros, que vestidos a rigor, com as suas camisas às riscas e chapéus de palha com fitinha, cantavam amores não correspondidos.

Quantas vezes nas noites quentes de Verão, quando a lua cheia se mostrava e soprava o leve vento da maresia, parávamos na Piazza de San Marco. Por ali ficávamos perdidos no tempo, olhando embevecidos um para o outro, afastados apenas pela chávena de um café, fazendo juras de amor eterno..... e de repente..... caí da cama. Estava apenas a sonhar, abri a janela e olhei em frente... o sol nascia, e ali quase aos meus pés, estava a Torre do Campanário e um pouco adiante o mar, ondulando preguiçoso com as gôndolas amarradas no cais.... sim estava finalmente de novo em Veneza, olhando através da janela do quarto do hotel Marconi.