[Eu gostava do mar, continuo a gostar: mas tenho descoberto as montanhas. Tenho falado com elas e elas têm-me contado tanta coisa; contam-me mais coisas sobre mim do que sobre elas e saio delas sempre a conhecer-me melhor, a conhecer-nos melhor: a nós (família); e a todos os outros]

Yangshuo, paisagens incríveis da China
créditos: Menina Mundo

Chegámos a Yangshuo, na região de Guangxi. Pousámos as malas, dormimos e acordámos no sexto andar do Sam’s Fun B&B. É aqui que moraremos nos próximos dias. Descemos até à West street, uma das mais movimentadas ruas da cidade, provámos o famoso beer fish (peixe cozinhado em cerveja), comemos mangas do tamanho de meloas e vimos homens jogarem jogos de tabuleiro, sob o olhar atento dos seus pássaros em gaiolas penduradas pelas ruas. Nestas mesmas ruas, com 11 yuans (menos de 2 euros) comprámos: 10 maracujás, 1 romã e uma pitaia (também conhecida por dragon fruit) que colocámos nas cestas das bicicletas – tínhamos lanche.

Yangshuo, paisagens incríveis da China
créditos: Menina Mundo

Deixámos o centro e subimos para as bicicletas. Foi em Yangshuo que andámos pela primeira vez de bicicleta, em família: ele aprendeu ainda menino, eu aprendi ainda menina, e aqui - juntos - andámos de bicicleta com a nossa menina atrás, sentada numa cadeira de bambu, a 10.381km de distância da nossa terra natal (numa linha recta imaginária que ligaria o Porto a Yangshuo).

Aqui somos uma família, duas bicicletas, quatro pés nos pedais e uma cordilheira montanhosa que nos acompanha dias inteiros. E somos o sol que nos abraça o caminho todo e a brisa que ganhamos nas descidas, até os pés se cansarem, até o sol se deitar.

Yangshuo, paisagens incríveis da China
créditos: Menina Mundo

Os olhos que trazíamos ainda cheios da beleza perfeita e desenhada de Lijiang, aqui são lavados, têm de esvaziar-se para se encherem de novo: desta (outra) beleza, que sinto mais bruta e mais pura; mais real e verde, verde, tão verde.

Numa destas tardes trocámos as bicicletas por uma jangada de bambu e o pedalar pelo rafting no rio Yulong: um pequeno afluente do rio Li, onde desagua. Ao contrário deste ocupado e atarefado rio, o Yulong apenas é atravessado por jangadas de bambu, nada de barcos motorizados. Atravessamos a Ponte Yulong, uma ponte de pedra com mais de 400 anos e enchemos os olhos de montanhas, ao ritmo das águas calmas do rio e do sono tranquilo que ela dormia (na primeira meia-hora desta descida).

Alternámos entre o movimento dos pés nos pedais – que se faziam acompanhar do som de músicas de criança a três grafonolas – e os pés parados, para sermos só olhos. Nessas pausas enchíamos as barrigas de maracujás e os olhos, esses, era em luta que estavam, para não perderem nada, para não terem de se dividir entre montes, vegetação, rio, pássaros, pés nos pedais e jangadas de bambu. Para guardarem o melhor do que veem e, sobretudo, para se verem (nos vermos) – uns aos outros – a ver a natureza e beleza tamanhas.

Num desses dias, de música e pés nos pedais, ela regressou no embalo das minhas costas. E, ainda que com o (meu) mundo às costas, estava mais leve do que alguma vez me senti. Nas costas vinha ela e no peito (como nos olhos) trazia esta ausência de mão humana, e nesta desumanização encontro um dos maiores gestos de humanidade: respeito pela natureza.

Yangshuo, paisagens incríveis da China
créditos: Menina Mundo

A cada regresso a estas montanhas (em memória, em imagens) penso que mesmo o mais duro dos corações, o mais impenetrável de todos, bateria mais forte, versaria uma lágrima, ao debruçar olhar e peito sobre este lugar.


Algumas das atracções turísticas habitualmente referenciadas:

- o espectáculo de luzes nocturno (Yangshuo Impression Sanjie Liu, Night Show, Guangxi);

- as cavernas;

- o borboletário;

- os banhos de lama.

Não vimos tudo, não entrámos nem pagamos bilhete para algumas destas atracções turísticas. Em vez disso entrámos pelo verde adentro: foi aí que passámos os dias, que nos demorámos manhãs e tardes -  talvez por isso tenhamos conhecido uma Yangshuo tão deserta de turistas.