Estamos a entrar pela China adentro, ao ritmo lento do comboio K9682. São 11h30, descemos até à linha 5, atrás dos nossos passos ouvem-se as rodas da mala-mochila. Carruagem 4: subimos, seguimos em frente, viramos à esquerda, depois na primeira à direita e passaremos as próximas sete horas na cabine nº 1. É daqui que vos escrevo.
As malas ainda estão: meio fora, meio dentro; abrir as cortinas e espreitar o mundo daqui urge mais. São 12h04, ouvimos o apito de partida (partimos antes do tempo), começa o tum-tum, tum-tum, o do comboio nos carris e o dos três peitos que moram aqui. Estamos a deixar a cidade de Kunming, os seus prédios altos, as pessoas com rosto e roupas de cidade. Aos poucos as estradas e pontes, carregadas de carros, começam a desaparecer. Estamos a entrar pela China adentro e há mais China aqui, mesmo com um comboio a separar-nos, consigo senti-lo.
É aqui que há China: não na Cidade Proibida. É aqui que há China: não no Templo do Céu. É esta a China que quero sentir, foi desta China que viemos à procura: a terra vermelha que nos entra pela janela dentro, os campos de arroz e de outros cultivos, os camponeses de cabeças enfiadas nos seus chapéus tradicionais - para se protegerem do sol - e os cestos que trazem às costas, com uma fita que seguram na cabeça, a pele mais escura, do trabalho no campo, vê-se desde este lado e contrasta com o tom mais empalidecido dos rostos de Pequim. É aqui que há China.
São sete horas de viagem: já comemos, já adormecemos (a Mia continua embalada), já namorámos, beijámos e conversámos sobre o que estamos a viver e é daqui que vos escrevo, e é daqui que ele selecciona as melhores das tantas fotos que trazemos connosco de Pequim.
Trocaria todas as viagens que fiz de avião ou carro por esta. Compreendo o gosto dos chineses pelo comboio, é o seu meio de transporte de eleição. Uma viagem de comboio pode custar muito pouco, mesmo para uma distância longa. Os lugares vão de um extremo ao outro: existem lugares não sentados e cabines com cama (como a nossa), o facto de ser uma viagem de longa duração fez-nos optar por esta última, sobretudo pela Mia e, acreditem, conseguimo-la a um preço muito acessível.
Em sete horas o sol viajou connosco, lado a lado: nós do lado de dentro e ele do lado de fora - mas tão presente que nos rosou o corpo através do vidro. Cumprimos a viagem, chegámos ao destino e o sol parece ter cumprido o dia. Ganhámos a noite.
A confusão e a fila sem fim na espera do autocarro levaram-nos ao táxi, foram 20 yuans (3,5 €, sim, não me enganei, viram bem). Saímos do táxi que nos deixou do outro lado da rua por não poder entrar na cidade antiga: é aí que fica o nosso hotel.
Vamos já a encher os olhos das luzes da noite, são ruas de paralelos ladeadas por restaurantes e lojas de comércio, vende-se de tudo: vestidos, chapéus, chás, bolo de rosa (delicioso), gelados, sapatos, colares, espetadas de carne… Vamos perguntando o caminho aos comerciantes, que nos vão ajudando, desta estávamos preparados, trouxemos a direcção do hotel escrita em cantonês, quem precisa de inglês?! Chegámos ao hotel, é um espaço maravilhoso, resguardado do barulho e do movimento, tem um átrio central que convida a um chá embrulhado num abraço.
Amanhã já acordaremos em Lijiang.
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo
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