Saímos de Yangshuo, a viagem de duas horas de autocarro até Guilin deveria fazer parte do roteiro turístico da região.

A estrada é um caos, mas parece haver uma tranquilidade neste caos, nesta aceleração, nesta azáfama desorganizada. Uma tranquilidade próxima da que conhecemos na ceia de natal: quando todos falam em todas as direcções; quando os talheres batem nos pratos, ao ritmo do bacalhau e das couves a entrarem pela boca; quando os testos batem nas panelas, para encherem mais um prato, para encherem mais uma boca. Aí também há um aconchego, um sabor a colo, mesmo no meio da confusão. E ela parece senti-lo aqui, é no colo que dorme durante esta viagem, dorme entre buzinadelas, ultrapassagens, solavancos que (podia jurar) abanam a terra inteira, gente a conversar, alto e bom som - e ela a dormir contra o meu peito. Tranquila, serena, num oposto ao ambiente que a rodeia.

Estamos a sair da China, já em Guilin apanhámos um táxi até à estação – cerca de 40 minutos – mais quatro horas de comboio, estamos na estação ferroviária de Cantão, é daqui que vos escrevo, sentada no chão a guardar as malas, enquanto a Mia e o papá tentam imprimir (e isto não é tarefa fácil aqui) a documentação necessária para os vistos para o nosso próximo destino: Vietname.

Já os três, com os vistos assegurados, entrámos no metro, o último que apanharemos na China. E de todos os olhos  - cheios de perguntas - com os quais nos cruzámos, guardámos os dele. Parecia receber-nos com o olhar, acolher-nos no melhor de si.

Não lhe sabemos a idade, não sabemos nada sobre ele, mas nos seus olhos – pequeninos – trazia uma longa e doce história, e estes olhos sentaram-se de frente para nós.  Não trocámos uma palavra, na certeza da impossibilidade da comunicação verbal, mas ele disse-nos tão mais do que os tantos que (mesmo que gentilmente) verborreiam.
Levou as suas mãos aos olhos e depois de juntar o indicador e o polegar, abre os mesmos, como se com eles (os dedos) desenhasse uns olhos gigantes, apontando para a Mia, para mim.
Era um senhor de olhos pequenos – quase cerrados – a desenhar, com os dedos, uns olhos  gigantes. Seguiu-se um fixe, num gesto feito pelas suas mãos, que se falassem contar-nos-iam uma vida que já vai longa e terá sido meiga, a julgar pelos gestos e expressões.

Os olhos, sempre os olhos. Somos feitas de olhos grandes, e, deste lado do mundo, parecem ser muito apreciados, talvez nos adivinhem a vontade de olhar, de vermos mais, de enchermos - estes olhos que trazemos - de mundo, de histórias, de pessoas como o senhor que desenha olhos com as mãos.

Amanhã entraremos no Vietname, será de Hanói que vos falarei.