Bilhete-postal por Pedro Neves

Há dias, como na passada sexta-feira, em que Lisboa parece usar a meteorologia como efeito de cinema e transportar-nos para São Francisco.

Nunca estive na Califórnia, mas suponho que a sensação não seja muito diferente quando uma cortina de nevoeiro vinda do mar é corrida entre as duas margens do Tejo. Nesses dias, imagino que sei como é estar junto à Golden Gate Bridge, a assistir à sua já famosa neblina estival (também ela em risco de desaparecimento, devido às alterações climáticas).

Para lá de uma nuvem em contacto com o chão, o nevoeiro pode ser tão intrincado de descrever quanto de prever, porque pode formar-se em qualquer sítio e altura do ano. Deixemos, por isso, as explicações para quem percebe do assunto, e especular que o nevoeiro na frente ribeirinha de Lisboa está para a meteorologia como um estado de espírito para a psicologia. Podemos estudá-lo e conhecer as suas condições de formação, mas dificilmente esvaziamos o seu fator-surpresa.

Uma pesquisa rápida no Flickr (onde qualquer fotógrafo lisboeta tem pelo menos um registo da ponte 25 de Abril atravessada pelas nuvens), mostra que a sua observação na capital é mais frequente nos meses frios, quase sempre de manhã, mas é nos dias quentes do verão que este visitante marítimo me parece mais sobrenatural, com a sua notória baixa de temperatura e tendência para se demorar um pouco mais na estadia.

Na sexta-feira, ao final da tarde, ainda parecia acabado de sair de uma linha de montagem, à medida que o seu rolo de algodão desfilava rio acima, cuidadoso em não tocar nas margens. Aos poucos, como um grupo de turistas que depois de uma longa viagem dispersa à chegada ao seu destino, começou a espraiar-se e a envolver a beira-rio com o seu manto frio.

O efeito de cinema não é só “fumaça”, também vem acompanhado de som, mais precisamente de um coro de buzinas nas águas do Tejo, onde embarcações de todos os tamanhos acusam a sua presença umas às outras através da névoa: Cuidado, que aqui vai o Seixalense (o cacilheiro) — Abram alas, que vai passar o Ventura (o cruzeiro) — Deixem, já agora, um espacinho para o Leonard Cohen (o veleiro).

O misterioso nevoeiro chega sem aviso e, geralmente, não dá notícia, pelo que a metade da cidade para lá de Monsanto e da Baixa pode nem se aperceber do microclima que se instala junto ao rio. Resta aos turistas, moradores e outros curiosos nas margens apreciar o espetáculo da ponte a desaparecer gradualmente da paisagem. Só falta mesmo o mágico com a sua varinha.