André é um piloto de motociclismo, natural de Oliveira de Azeméis, que se propôs a percorrer o globo numa minimoto, um modelo de motociclo incapaz de exceder os 65km/h. O objetivo de ser o primeiro a consegui-lo, aliado a uma fome de mundo, fê-lo partir nessa aventura de mil dias à primeira oportunidade ainda durante a pandemia, em 2020. Três anos de aventuras e 80 mil quilómetros que incluíram a passagem por uma prisão no México, uma longa temporada num hospital da Califórnia para recuperar de um acidente rodoviário e o estarrecimento de dar por si no epicentro de uma catástrofe natural na Turquia. São alguns dos episódios que conta no seu livro, "Volta ao mundo de minimoto", do qual publicamos o excerto abaixo.

Bem-vindos a bordo

Por André Sousa

Quando a grade se fechou atrás de mim, olhei para aqueles que seriam os meus companheiros de cela nas próximas horas. Eram oito, entre quatro paredes cinzentas, cor de betume, num cubículo que não devia ter mais do que 15 metros quadrados. Tatuados e vestidos a rigor para uma prisão em Sinaloa, no mais perigoso dos 31 estados
do México, terra do cartel que El Chapo tornou famoso.

O cheiro era nauseabundo e em breve eu descobriria a razão. Sorri, pois achei que era a melhor forma de encarar esta loucura em que estava metido, e apresentei-me recorrendo ao meu melhor espanhol:
– Olá, eu sou o André.

Podia ter acrescentado «sou português, nasci em Oliveira de Azeméis – embora os meus colegas de cela nem imaginassem onde ficava Portugal –, tenho 27 anos, e estou, neste momento, a realizar o sonho de me tornar a primeira pessoa a dar a volta ao Mundo numa minimoto».

Volta ao mundo de minimoto
A capa do livro do André Sousa, de onde este excerto é tirado

Esta é apenas uma pequena parte de uma das muitas aventuras que vivi ao longo de mil dias, histórias que nunca imaginei poder contar-vos quando parti de Avis, a 12 de julho de 2020, apoiado por um grupo de amigos que acreditou em mim desde o momento em que decidi fazer este caminho com o supertremoço, como carinhosamente batizei a Honda Monkey de 9 cavalos que, nos seus momentos de glória, dá 65 km/h. Desde miúdo que tenho uma paixão por motos, uma herança do meu pai, que também era um apaixonado por este estilo de vida.

Quando tinha 13 anos, fui escolhido como jovem talento do motociclismo e o meu pai nem gostou muito, mas depois aceitou que fazia parte do meu caminho, apoiou-me e as coisas aconteceram com naturalidade, mas sem grandes resultados. Fui 4.º classificado no Campeonato Nacional de Velocidade em 125cc, em 2013, e vice-campeão por equipas no campeonato de 600cc, e 2014. Infelizmente, em 2015, uma lesão limitou a minha participação no campeonato de velocidade a apenas duas provas e um pódio, o que basicamente arrumou o meu sonho de me tornar num profissional.

Enquanto fazia a licenciatura na Coimbra Business School, tive a oportunidade de realizar Erasmus na Eslováquia e essa experiência despertou o desejo de viajar de forma diferente, além daquilo que consideramos o turismo convencional. Aventurei-me por nove países dos Balcãs, explorando as culturas locais, conhecendo pessoas incríveis e recorrendo somente a boleias como transporte e à boa vontade das pessoas que me ofereciam alojamento no caminho. Num mês de viagem por estes nove países, gastei apenas 200 euros!

Dois anos depois, em 2018, estava a fazer um intercâmbio do mestrado em Gestão Empresarial, no Brasil, e este espírito inquieto fez-me sonhar com um desafio ainda maior: ser o primeiro a dar a volta à América do Sul numa moto citadina de 125cc. Imaginei que seria uma jornada solitária, mas o apoio e a hospitalidade das comunidades motociclistas surpreenderam-me. Por onde eu passava, havia motards à minha espera, com estadia, refeições, escolta em trechos desafiantes e até me ajudaram quando fui roubado e fiquei sem nada. Sinto que nunca poderei agradecer o suficiente.

Chamei-lhe «The Lost Mohican Adventure» e o objetivo era percorrer os 11 países sul-americanos que estão ligados por via terrestre: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Paraguai, Colômbia, Equador, Venezuela e Guiana. Não foi fácil, mas sou tão determinado que até pareço chato. Só pareço, juro! Estabeleci rotas, arranjei patrocínios e até garanti o apoio da Honda Brasil, que forneceu assistência à Honda CG 125i Fan 2018, de cinco velocidades e a gasolina, que nem motor de arranque ou travões de disco tinha!

Parti com três malas e uma mochila no lugar do passageiro. Algumas pessoas disseram que seria impossível e poucas sabiam desta loucura, apenas uns quantos amigos e aqueles que começaram a seguir-me na Internet. Porém, as redes sociais da comunidade motociclista realizaram um trabalho impressionante. Aliás, não me canso de repetir que o que fizeram por mim não tem preço.

Fizemos 24 250 quilómetros – falo muitas vezes no plural porque nunca vou sozinho nestas viagens, sinto sempre que levo cada um dos meus apoiantes, seguidores, pessoas que me ajudaram no caminho, patrocinadores e, claro, também sigo sempre na companhia da nossa moto – e, durante 120 dias, vivi experiências únicas: os cinco dias de sobrevivência na Amazónia boliviana sem comida, água ou cama; ultrapassar durante dias a Cordilheira dos Andes a mais de 5000 metros de altitude com temperaturas inferiores a 10 graus negativos ou negociar com traficantes armados para entrar de forma ilegal e atravessar a Venezuela, num dos momentos mais graves da sua guerra civil; acho até que sobreviver à perigosa Estrada da Morte, na Bolívia, foi a coisa mais simples desta aventura!

Viajar e conhecer culturas a partir de uma perspetiva autêntica é o que me motiva. A minha jornada não é sobre recordes pessoais, mas sobre as pessoas que conheci e as histórias que partilhei. Tenho este continente sempre comigo, tatuado no braço, em conjunto com o logo do «The Lost Mohican Adventure», como uma memória de tudo o que já vivi, de todas as pessoas que se cruzaram nesta aventura.

Depois disto não podia parar. Não consigo deixar de pensar que há tanto ainda para ver e tantas pessoas para conhecer. O tempo é escasso e nunca sabemos quando pode acabar o nosso. Portanto decidi voltar à estrada. Desta vez para esta louca volta ao Mundo.

Os amigos que me chamam irreverente, corajoso, bem-disposto, também teimoso, e até louco, foram aumentando ao longo de 80 mil quilómetros, 54 países e 1000 dias desta aventura. Por isso, este livro é também, e sobretudo, um livro de amor. Quando regressei a casa, tinha uma enorme família espalhada pelo Mundo que ajudou a escrever esta história de final feliz, mas muitos percalços.

A vida, contudo, ensinou-me, há muito, a aproveitar o melhor, manter o sentido de humor e tirar satisfação até das piores experiências. Sempre a sorrir, mesmo quando um camião nos abalroa nos Estados Unidos e nos deixa com lesões com as quais ainda hoje tenho de viver; quando somos raptados e espancados no Nepal; quando somos presos numa cadeia mexicana; quando três tremores de terra nos abalam todas as convicções perante tanta morte e destruição; ou quando montamos a tenda num cemitério porque não há mais nenhum sítio para dormir ou viajamos numa espécie de barco carregado de caixões e tudo aquilo que couber na imaginação mais fértil.

Agarrem-se bem, a viagem vai começar!

O livro "Uma volta ao mundo de minimoto", de André Sousa e com edição pela Oficina do Livro, já se encontra disponível nas livrarias.

A festa de lançamento do livro do André acontece amanhã (dia 27), às 15h, no Monumento ao Motociclista, em Barcelos. É de lá que o André parte, imediatamente a seguir, na sua segunda volta ao mundo, desta vez do Polo Sul ao Polo Norte, numa viagem que poderá levar um ano a completar. Não deixem também de ler a entrevista no SAPO Lifestyle.