É quase fim de janeiro, e os campos de hóquei não estão instalados no Parque Ignace-Bourget, em Montreal. Em vez disso, os trabalhadores aproveitam um dia com temperaturas abaixo de zero para aplicar uma fina camada de água em cima do gelo em formação.

"Trabalho na cidade de Montreal há 20 anos e é realmente excecional ver uma abertura tão tardia dos locais de patinagem", disse à AFP Martin Letendre.

O funcionário e a sua equipa regam o gelo dia e noite para manter as pistas de patinagem ao ar livre na cidade. Quase um mês depois das férias do fim de ano, porém, a maioria dos 250 locais naturais destinados à prática desse desporto continua fechada ao público.

"Em condições normais, tentamos abrir antes do Natal, no dia 21 ou 22 de dezembro. Mas este ano será mais tarde", lamentou Letendre.

O termómetro deve cair abaixo de -4°C durante o dia "por três dias consecutivos" para ter uma camada de gelo com 15 centímetros de espessura.

"Este ano demorou mais do que o normal para o frio chegar", disse Charles-Antoine Rondeau, morador de Montreal que caminha pelo Parque Jarry, um grande espaço público que normalmente tem três pistas de patinagem. As três continuam fechadas.

"É uma pena, muda as nossas tradições", observa este jovem professor.

Sem poder patinar, Juliette Rougerie afirma: "quando vemos isso, necessariamente pensamos que está ligado à mudança climática, e é preocupante, porque já podemos ver a diferença".

"Mudança radical"

O Canadá, que, devido à localização geográfica e baixas temperaturas regista um aquecimento mais rápido do que outras regiões do planeta, tem sido confrontado nos últimos anos com eventos meteorológicos extremos, cuja intensidade e frequência estão a aumentar.

Na capital, Ottawa, o inverno ameno do ano passado impediu pela primeira vez a abertura da pista de patinagem do canal Rideau, a maior do mundo.

"Sempre teremos invernos, mas veremos a temporada de (pista de) patinagem mudar radicalmente" no futuro, explicou à AFP Mitchell Dickau, da Universidade Concórdia.

Em 2020, Dickau publicou um estudo sobre o impacto das alterações climáticas especificamente nestes locais de desporto e lazer em Montreal.

Na última década, "a temporada de patinagem costumava durar cerca de 55 dias. Se conseguíssemos eliminar completamente as nossas emissões (de gases de efeito estufa) e limitássemos o aquecimento a dois graus, a temporada seria encurtada entre 11 e 15 dias", explicou.

"Mas, se continuarmos a queimar combustíveis fósseis dessa forma e não reduzirmos nossas emissões de CO2, poderemos ter estações de apenas 11 dias até ao final do século", acrescentou o pesquisador.

Segundo Dickau, 2023 é, "definitivamente, uma anomalia" e constitui um "indicador da mudança climática, com o qual as pessoas se podem identificar".

Para resolver a situação, são desenvolvidas pistas de patinagem no gelo artificiais - menos de dez até agora em Montreal. Essa alternativa tem, no entanto, um custo financeiro e ambiental significativo.