Mais do que relaxamento, indulgência ou gratidão, o hygge (que poder ser usado como nome, verbo ou adjetivo) faz parte da identidade dinamarquesa há várias décadas mas só em 2016 atingiu o estrelato. A palavra não é dinamarquesa e deriva de hugga (quer tentar pronunciar?), emprestada dos Noruegueses no séc. XX. Hugga não tem tradução direta para outras línguas mas pode significar "confortar" ou "consolar". Os alemães têm, por exemplo, o gemütlichkeit ou os holandeses o gezelligheid para caracterizar algo como "agradável", "acolhedor" ou "confortante".

No ano passado, hygge foi uma das finalistas a Palavra do Ano pelos dicionários ingleses Oxford (arrebatada pela ‘pós-verdade’) e teve direito a pelo menos nove livros em inglês. Nove! Já se sente tentado(a) a perguntar: "mas afinal o que é o hygge"? Em entrevista ao SAPO Viagens, Kayleigh Tanne, jornalista britânica e autora do blog Hello Hygge, resume este modo de vida a "fazer coisas que nos dão mais prazer e não ter medo de ceder àquilo que nos faz felizes." Sozinho(a) ou acompanhado(a).

Para ter uma ideia, Kayleigh Tanne narra-nos o seu momento mais hygge até hoje: "num dia de inverno, eu e um amigo fomos dar uma volta de carro por uma zona rural. Conduzimos durante horas enquanto ouvíamos música e, eventualmente, descobrimos um pub onde almoçámos. Adorei o facto de não termos nada planeado."

Dos serões à lareira aos piqueniques no parque com amigos

O hygge não está necessariamente relacionado com o inverno mas é nesta estação que as coisas mais hyggeligt podem acontecer. "Os media dão relevância ao hygge dentro de portas ao pé da lareira, debaixo de um cobertor e com uma chávena de café, mas na Dinamarca as pessoas praticam hygge o ano todo. Quando o tempo começa a ficar mais quente e soalheiro, o hygge move-se para o exterior, nos piqueniques, barbecues e nas viagens de campismo que substituem os agradáveis jantares e noites de cinema no inverno", explica.

Algo hygelligt pode ser um jantar com família ou amigos à luz das velas ou degustar uma pequena fatia de bolo ou chocolate quente enquanto vê a chuva cair lá fora. Degustar, não devorar. Veja-se o Natal. Enquanto meio mundo tenta competir pelo maior número de rabanadas ou fatias de bolo-rei comidas, os felizes dinamarqueses fazem-no com uma prudência invejável. "Não há muitas privações na Dinamarca. As pessoas tentam ser generosas consigo mesmas e com os outros. Os dinamarqueses não bebem ou comem em excesso e depois cortam tudo. Nem fazem dietas ioiô", conta à BBC uma professora dinamarquesa a viver em Inglaterra. Mesmo os médicos, recomendam "chá e hygge" para a gripe. Mas será o hygge apenas a arte, por vezes fútil, de os Dinamarqueses se mimarem?

"Veículo de controlo social"

O hygge tem seduzido vários países como um modelo exemplar de estar na vida, de forma equilibrada, relaxada e igualitária. Largamente explorado pelo marketing e materializado em alguma obsessão por tudo o que é escandinavo, parecer haver algo de frívolo e inverosímil nesta filosofia. Jeppe Linnet, investigador da Universidade do Sul da Dinamarca, afirma que, apesar de defensores de uma sociedade pouco estratificada, os hábitos hygge dos dinamarqueses variam consoante o rendimento e o estrato social. Para uns poderá ser um copo de vinho ao som de jazz ou uma cerveja e futebol na TV.

O antropologista refere ainda à revista The Economist que há pouco consenso entre as diferentes classes sobre este modo de vida. Pode ser uma espécie de "veículo de controlo social que envolve um estereótipo negativo de grupos sociais que são percepcionados como incapazes de criar hygge".

Do mesmo modo, os dinamarqueses não parecem ter uma atitude muito hyggeligt para com os estrangeiros. Um relatório da InterNations (rede mundial de expatriados) feito em 67 nações, posiciona o país em 60º lugar em "afabilidade", 64º em "acolhimento" e em 67º na categoria "facilidade em fazer amigos". Nesta última, curiosamente a Noruega ocupa o 66º lugar.

Outros estudos continuam a demonstrar, no entanto, que os dinamarqueses são dos Europeus que passam mais tempo de qualidade com família e amigos (pelo menos uma vez por semana) e como estes fatores hyggeligt têm influência na felicidade individual. No mais recente relatório das Nações Unidas, a Noruega "roubou" o primeiro lugar à Dinamarca no pódio dos países mais felizes do mundo. A verdade é que os países nórdicos ocupam cinco posições no top 10. Portugal está na 89ª posição.

Michael Booth, autor do livro "The Almost Nearly Perfect People", partilha no jornal The Guardian uma visão mais crua para tamanho bem-estar: "São ricos, sexys e não trabalham muito; tomam mais antidepressivos do que qualquer povo no mundo e, sim, bebem álcool e comem mais bacon e doces per capita do que muitos."

Talvez o hygge só faça sentido para um dinamarquês. Talvez o hygge simplesmente aconteça e não seja artificialmente criado. Talvez seja só preciso focar no que realmente importa, tentando equilibrar o desejo por determinado estilo de vida e objetos  hyggeligt. Talvez o hygge seja algo mais simples que Raul Solnado sempre nos aconselhou fazer: "Façam o favor de ser felizes". À boa maneira portuguesa, hygge é falar menos e fazer mais.

Se quiser integrar-se neste modo de vida, a jornalista Kayleigh Tanne recomenda o livro "The Little Book of Hygge", de Meik Viking. "Agrada-me o facto do livro conter conselhos práticos, com fotografias bonitas e bem-humoradas, bem como piadas que demonstram como o hygge influencia a vida do autor", refere.

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